Com a inesperada crise originada pela pandemia do Coronavírus e seus impactos na economia, muitas empresas têm utilizado o procedimento da Recuperação Judicial para preservação das suas atividades e a superação da crise econômico-financeira.
Conforme a Lei 11.101/05, a Recuperação Judicial é um direito assegurado aos empresários e à sociedade empresária, sendo vedada às empresas públicas e sociedades de economia mista, instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
No entanto, quando o assunto são os agentes econômicos não empresários (associações, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e sociedades simples, por exemplo) não há proibição legal expressa destes para obtenção dos benefícios da recuperação judicial.
A restrita definição legal dos legitimados para requerer os benefícios da recuperação judicial, entretanto, esbarra no princípio mais importante da Lei 11.101/05 que é, justamente, o de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego de trabalhadores e dos interesses dos credores, com o intuito de promover a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
Isso porque, apesar da recuperação judicial somente poder, por previsão legal, ser requerida pelo empresário e pela sociedade empresária, sabe-se que os agentes econômicos não empresários não estão imunes às crises e, por consequência, também suscetíveis à necessidade de reestruturação.
Mesmo não havendo proibição legal para o pedido, a doutrina se posiciona de modo contrário à possibilidade de pedido de recuperação judicial pelos agentes econômicos não empresários, sob o fundamento de que tais tipos societários não desenvolvem atividade para a distribuição de resultados.
Contudo, embora esses tipos societários não distribuam lucros, não significa dizer que não exerçam atividades econômicas relevantes à sociedade, na medida em que fazem parte da cadeia econômica, contratam funcionários, recolhem tributos e desempenham um conjunto de atos destinados à produção ou circulação de bens e serviços ao mercado, movimentando, assim, a economia.
É o caso, por exemplo, das associações e fundações que, embora não tenham como objetivo auferir lucros, desempenham atividade econômica relevante, como mantenedoras de instituições de ensino, hospitais e entidades desportivas.
Logo, mesmo essas sociedades não sendo empresárias, podem praticar atos inerentes às sociedades empresárias o que, se comprovado, parece-nos ensejar todas as proteções previstas na Lei de Recuperação Judicial para fins de reestruturação.
A interpretação extensiva acima se torna ainda mais relevante dentro do cenário econômico atual, em que muitas empresas e sociedades se encontram em dificuldade e possuem condições de se soerguerem.
Este, inclusive, é o fundamento que os Tribunais têm utilizado para deferir os pedidos de recuperação judicial realizados pelos clubes de futebol, mantenedoras de universidades e demais sociedades civis.
A relevância social desses tipos de sociedade e o exercício da atividade econômica devem, portanto, se sobrepor ao rol legal que inicialmente delimita a legitimidade para o pedido de recuperação judicial, relativizando-o, a fim de que o objetivo legal de manutenção da fonte geradora de emprego e de riquezas possa ser corretamente aplicado e cumprido de modo a proteger, de fato, a atividade econômica relevante.