A autofalência e suas alternativas

A falência, temida pelas empresas saudáveis financeiramente, pode ser resultado de um pedido próprio realizado por credores que comprovem a incapacidade do devedor de honrar com suas obrigações ou, até mesmo, de um processo de recuperação judicial malsucedido.

Para se atingir o resultado da falência, há também o mecanismo chamado de autofalência, que pode ser utilizado quando a empresa ou empresário individual, estando em crise econômico-financeira e sendo a atividade empresarial inviável, esgotam os meios para saldar os seus débitos perante os credores e, por iniciativa própria, dão início ao procedimento.

O requerimento desse mecanismo exige o preenchimento de alguns critérios legais e deve ser acompanhado de documentos que demonstrem o estado de insolvência, incluindo balanços patrimoniais, relatório do fluxo de caixa, demonstração do resultado desde o último exercício social, dentre outros, nos termos do artigo 105 da Lei 11.101/2005.

O objetivo principal da autofalência é se ter uma solução judicial para rateio dos ativos e, consequente, para quitação dos débitos, evitando o encerramento irregular da sociedade, que é um ilícito muito comum, bem como o agravamento da crise.

A Lei 14.112/2020 trouxe algumas inovações à Lei de Recuperação Judicial, especificamente à falência, dentre elas, a previsão do fresh start, tal como no direito americano, que buscou acelerar o processo de falência e a retomada rápida do empresário aos negócios, reduzindo para três anos o prazo para extinção das responsabilidades do empresário que opte pela autofalência. Além disso, trouxe a disposição do artigo 82-A que prevê a vedação da extensão da falência ou de seus efeitos ao sócio de responsabilidade limitada[1], bem como a redução do percentual mínimo de pagamento de credores quirografários para 25%, o que facilitaria a escolha por este instrumento.

No entanto, embora a autofalência seja legalmente prevista e seja uma opção interessante para o enfrentamento da crise de uma empresa inviável, ela apresenta riscos que podem comprometer tanto a sobrevivência do empresário quanto a sua reputação no mercado, não podendo ser vista como uma saída simples.

Como principal risco do procedimento, podemos citar o reputacional, pois o sócio, mesmo não havendo conclusão pela sua responsabilidade pessoal, poderá ter seu nome marcado para abertura de novos negócios, já que a decretação da falência poderá influir na imagem dos gestores e da própria sociedade, gerando uma relutância por parte de parceiros e clientes em firmar acordos ou em construir novas relações comerciais no futuro, temendo que a empresa não cumpra novamente com as suas obrigações.

Por outro lado, há o risco de revogação dos atos praticados antes da falência, ou seja, ações do devedor que tiveram como objetivo prejudicar os credores, evidenciando fraude, segundo artigo 130 da Lei 11.101/2005. Esses atos podem ser identificados pela venda de bens a preço abaixo do mercado, pela doação de bens logo antes da decretação ou ao firmar contratos fraudulentos com o intuito de transferir patrimônio, deixando de pagar seus credores. Nesse sentido, todas essas ações podem ser questionadas durante o trâmite processual e resultando em punições a serem fixadas pelo Juízo.

Havendo constatação de irregularidades, como práticas fraudulentas e má administração, os sócios poderão responder pessoalmente em juízo, se tratando de sociedade de responsabilidade limitada ou não.

No período em que o procedimento durar, o empresário ficará impossibilitado de exercer o seu papel de administrador, que será exercido pelo administrador judicial nomeado pelo Juízo, com foco na liquidação dos ativos para satisfação dos créditos dos credores. Com a perda de autonomia do administrador, este ainda poderá ter dificultada a retomada de qualquer atividade empresarial futura.

Ademais, a complexidade do procedimento pode ser outro ponto negativo, devendo ser considerados também os custos do processo de falência que serão arcados pelo devedor: os custos diretos, como honorários do administrador judicial, além de outras despesas processuais. Por mais, quanto às despesas indiretas, são as que as empresas incorrem por participarem de um processo de falência, como o tempo despendido, a dificuldade de obtenção do crédito, a queda da receita operacional, dentre outros.

A autofalência é uma medida drástica que deve ser analisada com cautela e, antes de se optar pelo ajuizamento desta medida, a sociedade empresária ou o empresário devem se voltar à análise da viabilidade da atividade empresarial, se ainda há de ser preservada ou não, para entendimento se cabível o pedido de recuperação judicial ou extrajudicial.

A recuperação judicial ou extrajudicial, com o auxílio profissional qualificado, pode ser uma opção menos arriscada e onerosa, visando a reestruturação da empresa, a fim de viabilizar a manutenção da sua atividade econômica.

Além disso, a depender do valor do passivo, é possível a proposição de renegociação das dívidas, credor a credor, evitando a exposição pública de um processo.

Portanto, optar por alternativas menos drásticas, quando verificada que a atividade empresarial ainda é viável, pode, além de evitar os riscos da falência, possibilitar a recuperação e a continuidade do negócio, contribuindo para o desenvolvimento econômico e social.

 


[1] Art. 81. A decisão que decreta a falência da sociedade com sócios ilimitadamente responsáveis também acarreta a falência destes, que ficam sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida e, por isso, deverão ser citados para apresentar contestação, se assim o desejarem.

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