O registro formal de títulos de crédito, como meio de comprovação de inadimplência, é um instrumento jurídico de grande relevância para assegurar direitos creditórios. Entretanto, a irregularidade na lavratura de protestos envolvendo documentos sem lastro configura um desvio grave de finalidade e gera consequências jurídicas significativas.
O protesto é um ato solene de reconhecimento público de inadimplemento e uma ferramenta essencial para garantir a segurança das relações comerciais. Para sua validade, deve atender a requisitos legais, como a existência de título legítimo e devidamente fundamentado.
Pode ser realizado em cartório, após o vencimento do título, ou por meio de plataformas digitais, como a CENPROT (Central de Protestos), mediante certificado digital e apresentação dos documentos que comprovem a obrigação subjacente. É necessário considerar que cabe ao representante a análise de validade do protesto, não sendo esta uma tarefa realizada pelo cartório.
A jurisprudência brasileira reforça a necessidade do elemento causalidade, enfatizando que títulos de crédito devem estar vinculados a operações reais. Assim, documentos desprovidos de lastro não possuem legitimidade para serem apresentados a protesto.
O protesto irregular de documentos acarreta graves consequências jurídicas para o credor que utiliza esse mecanismo de forma indevida. O “lastro” de um documento é caracterizado pela existência de provas claras e objetivas que sustentem a obrigação subjacente, como contratos, notas fiscais, cheques, etc., conferindo autenticidade e legitimidade ao título e ao respectivo valor protestado.
Em muitos casos, os credores simulam a existência de títulos, emitindo boletos sem lastro e os levando a protesto com o intuito de cobrar valores não documentados, que não poderiam, então, ser protestados, como é o caso de juros, multas e demais encargos sobre um título existente, sem previsão contratual que autorize seu protesto.
Uma série de consequências pode ser verificada dessa conduta. Inicialmente, cabe destacar a responsabilidade civil do credor, prevista no artigo 927 do Código Civil, segundo o qual aquele que, por ato ilícito, causar dano a outro é obrigado a repará-lo.
De acordo com os entendimentos pacificados dos tribunais superiores, o protesto indevido de um título gera dano moral in re ipsa, ou seja, em que há presunção de existência de dano moral a ser indenizado. Isso porque a inscrição indevida em um cadastro de inadimplentes afeta a dignidade da pessoa, tanto a honra subjetiva quanto aquela perante a sociedade.
Além dos danos morais, o protesto de documentos sem lastro pode resultar em danos materiais, caso o devedor demonstre prejuízos financeiros diretos decorrentes do ato, como a restrição de crédito e consequente perda de oportunidades comerciais. Nesse sentido, os tribunais têm reconhecido a necessidade de reparação integral ao lesado, abrangendo todos os danos comprovadamente sofridos.
O uso do protesto de forma desvirtuada, sem respaldo documental, pode configurar abuso de direito, conforme disposto no artigo 187 do Código Civil, que ocorre quando o credor ultrapassa os limites do exercício regular de um direito que possui, podendo levar à anulação do ato, além de sanções judiciais.
No âmbito prático, o protesto indevido também pode comprometer a relação comercial entre as partes, gerando um ambiente de desconfiança e comprometendo futuras transações. Além disso, o devedor pode buscar medidas judiciais para cancelar o protesto e requerer a declaração de inexistência da dívida.
Portanto, o protesto ou a lavratura irregular de apontamentos sem respaldo documental representa uma afronta à legislação e às relações de confiança no meio jurídico e comercial, além de contrariar os princípios básicos da boa-fé e da causalidade que norteiam as relações jurídicas. Essa conduta compromete a segurança do sistema creditício e prejudica a confiança nas relações comerciais.
Ao credor, cabe ter cautela ao levar títulos a protestos, assegurando que suas ações estão em conformidade com a legislação aplicável. Ao devedor, é possível questionar apontamentos indevidos, buscando reparação pelos danos sofridos.
A observância rigorosa dos requisitos legais, bem como a adoção de práticas éticas, são imprescindíveis para evitar abusos e assegurar a estabilidade nas relações de crédito. O desrespeito a essas premissas não apenas gera consequências jurídicas severas ao credor que realiza protestos indevidos, mas também compromete a credibilidade do mercado e o equilíbrio das relações contratuais.