É certo que toda empresa que vivencia uma crise econômico-financeira busca, de muitas formas, reorganizar-se para sair dessa delicada situação.
À vista disso, com objetivo de se preservar a atividade da empresa e, em especial, os empregos que por ela são gerados, é permitido em nosso ordenamento jurídico que se requeira a recuperação judicial ou extrajudicial, visando a reunião dos credores e a reestruturação econômico-financeira.
Contudo, nos termos dispostos na lei de falência e recuperação judicial (Lei 11.101/2005), nem todas as pessoas jurídicas poderiam se valer dos procedimentos nela previstos, pois seriam estes exclusivos do empresário e da sociedade empresária, conforme artigo 1º, excluindo empresa pública e sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores, nos termos do artigo 2º da mencionada lei.
Em que pese a boa intenção do legislador à época, há entidades que, apesar de não se enquadrarem no conceito formal de empresário ou sociedade empresária, exercem atividades de forma organizada para produção e circulação de bens ou serviços para o mercado, sendo responsáveis pela geração direta e indireta de empregos e tributos, hipótese na qual as associações civis sem fins lucrativos podem ser enquadradas.
Mesmo que essas entidades sejam sujeitos de direito e deveres, assumam compromissos e auxiliem a economia, não há no texto legal a previsão expressa para estas requeiram a recuperação judicial, não se identificando também qualquer vedação legal.
Com isso, criou-se na doutrina e na jurisprudência o embate a respeito da possibilidade ou não destas associações se valerem dos procedimentos de reestruturação, especialmente após o advento da crise causada pelo coronavírus. Isto porque, grande parte dessas associações civis atuam na área da saúde e ensino e prestam serviços de enorme relevância social que foram, sem dúvidas, diretamente afetados pela pandemia em razão do isolamento social e da crise financeira dela decorrentes.
Assim, recentemente, com base nesses fundamentos, a juíza da 2ª Vara Regional Empresarial e de Conflitos Relacionados à Arbitragem de São Paulo, Dra. Andréa Galhardo Palma, deferiu, liminarmente, a recuperação judicial ao Instituto Nacional de Assistência Integral (INAI), uma associação civil sem fins lucrativos, que atua nas áreas da educação, saúde, ciência e tecnologia, destacando em sua decisão que, em uma análise inicial, com base no disposto no artigo 1º da Lei 11.101/2005, a associação não estaria legitimada a requerer a recuperação judicial, sendo este, inclusive, o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Contudo, ponderou que, com a notória situação de calamidade sanitária e econômica que o país enfrenta, é necessário que o poder judiciário tenha uma maior sensibilidade na análise dos pedidos recuperatórios, podendo autorizar o processamento da recuperação judicial em favor das associações civis, desde que justificadas e de forma excepcional. Para tanto, ainda citou dois precedentes, sendo um do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (8027646-33.2022.8.05.0000) e outro do Estado do Rio de Janeiro (0063425-64.2021.8.19.0000).
Essa matéria, porém, ainda não foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, para que este órgão possa pacificar o entendimento. Apesar disso, vale lembrar que, recentemente, mais especificamente no início do ano de 2022, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu o efeito suspensivo ao Recurso Especial interposto pelo Grupo Educação Metodista, autorizando que se prosseguisse com a recuperação judicial, até que julgado definitivamente o recurso interposto, o que pode indicar um possível posicionamento favorável no futuro.
Com base nisso, tem-se que é possível o deferimento do pedido recuperatório pelas associações civis, uma vez que a continuidade da atividade econômica deve se sobrepor ao rol previsto na Lei 11.101/2005, em razão do princípio da preservação da empresa esculpido no artigo 170, III da Constituição Federal, e no artigo 47 da Lei 11.101/2005, além, é claro, de se verificar os benefícios econômicos e sociais decorrentes de tal procedimento.