O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) foi instituído pelo Decreto-Lei n° 2.404, de 23 de dezembro de 1987, tendo sido disciplinado pela Lei n° 10.893, de 13 de julho de 2004, com o objetivo de atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante da indústria de construção e reparação naval brasileiras, constituindo-se, desta forma, como fonte básica do Fundo da Marinha Mercante (FMM).
A arrecadação do AFRMM se dá em função da operação de descarregamento de embarcações provenientes do exterior em porto brasileiro; em navegação de longo curso ou, ainda; em navegação de cabotagem ou em navegação fluvial e lacustre, sendo o mesmo calculado sobre a remuneração do transporte aquaviário, entenda-se, o valor do frete, calculado de acordo com as seguintes alíquotas: (i) 8% (oito por cento) na navegação de longo curso; (ii) 8% (oito por cento) na navegação de cabotagem; (iii) 40% (quarenta por cento) na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis líquidos nas Regiões Norte e Nordeste, e; (iv) 8% (oito por cento) na navegação fluvial e lacustre, por ocasião do transporte de granéis sólidos e outras cargas nas Regiões Norte e Nordeste.
A título de lembrança, vale notar que estas alíquotas são relativamente novas, tendo em vista o ocorrido em janeiro de 2022, com o veto presidencial parcial do Projeto de Lei da BR do Mar, posteriormente promulgado em março, através da Lei 14.301/2022, trazendo como consequência a substituição das alíquotas anteriormente vigentes por estas mencionadas acima.
E assim ocorreu até que, em 30 de dezembro de 2022, através de publicação no Diário Oficial da União (DOU (Edição Extra)), Hamilton Mourão, Presidente da República em exercício, editou o Decreto n° 11.321/2022, o qual estabeleceu a redução de 50% (cinquenta por cento) para as alíquotas do AFRMM, tal como previsto no art. 6° da Lei n° 10.893/2004.
O principal objetivo do ato era impactar de forma positiva o setor da navegação e, consequentemente, o setor da importação e exportação, reverberando diretamente na concorrência econômica e financeira do país perante o mercado internacional. Através deste decreto, haveria uma contribuição na redução dos fretes marítimos, que aumentaram por volta de 200% na época da pandemia, além de ocasionar a circulação de maiores empregos e renda na área portuária.
Ocorre que, em 2 de janeiro de 2023, o Decreto n° 11.374/2023, um dos primeiros atos do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, revogou três decretos anteriores, incluindo o referenciado acima, o que significa que as alíquotas do AFRMM voltaram a ser aplicadas como anteriormente, conforme previsão da Lei n° 10.893/2004, sob o argumento de que a renúncia fiscal envolveria o valor de R$ 7,35 milhões em três anos.
Contudo, alguns pontos merecem destaque.
Primeiramente, o Decreto n° 11.374/2023 prevê expressamente que a sua vigência se inicia no momento da sua publicação (02/01/2023), o que ofenderia princípios norteadores da Carta Magna, não podendo tal revogação alterar as alíquotas de forma imediata.
Isso porque, tendo em vista a natureza de contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) do AFRMM, deve-se observar e obedecer ao princípio da anterioridade previsto na Constituição Federal em seu art. 149 e 150, inciso III, alíneas ‘b e c’.
Tal fato significa que somente seria possível a aplicação da nova alíquota que revoga a redução de 50% (cinquenta por cento), após aguardado pelo menos o período de 90 (noventa) dias após a publicação do decreto revogador, ou seja, em 03/04/2023, sendo esse um fundamento forte e plausível para a defesa de eventual não recolhimento do tributo.
Desse modo, as consequências jurídicas não apenas reverberam em linhas judiciais, mas também repercutem de forma comercial para os setores da navegação e comércio exterior, que somente saem prejudicados, confirmando a insegurança jurídica que vivenciam na atualidade e reduzindo as suas operações no comércio internacional.