Em meados de outubro de 2023, a Câmara dos Deputados recebeu do Senado Federal para revisão o texto do Projeto de Lei nº 412/2022, o qual regulamenta o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), além de alterar a Lei Federal nº 12.187/2009 (Política Nacional sobre Mudança do Clima) e a Lei Federal nº 12.651/2012 (Código Florestal).
Embora para muitos ainda possa soar estranha a ideia de “mercado de carbono”, ela não representa nenhuma novidade, seja nacional ou internacionalmente. Implementado efetivamente em 2005, o mercado de carbono foi norteado já em 1997, com a assinatura do Protocolo de Kyoto, e ganhou ainda maior alcance a partir de 2015, com a celebração do Acordo de Paris.
No entanto, antes de qualquer outra consideração, é importante compreendermos o conceito de mercado de carbono. Em breves linhas, por mercado de carbono, entende-se o sistema de compensação de emissões de gases do efeito estufa por meio da aquisição de créditos de carbono por aqueles agentes que não conseguiram atingir sua meta de redução de emissão.
Tal mercado sustentável pode ser subdividido em mercados regulados e mercados voluntários. Mercados regulados, nascidos diretamente das disposições do Protocolo de Kyoto e com metodologias e escopos bastante restritivos, permitiam que países desenvolvidos comprassem créditos de carbono de países subdesenvolvidos, desde que a meta estabelecida pelo Protocolo (conhecida como Mecanismo de Desenvolvimento Limpo – MDL) tivesse sido alcançada.
Essa dinâmica, também mais burocrática e cara, ensejou o surgimento de mercados voluntários. Nestes, agentes que estariam naturalmente excluídos dos mercados regulados, como instituições, empresas, ONGs e até mesmo cidadãos comuns, poderiam comprar créditos de carbono de projetos de terceiros, efetivando a responsabilidade anteriormente assumida de compensação das próprias emissões de gases do efeito estufa.
À luz da busca por essa maior flexibilidade, ao longo do mês de dezembro de 2023, o projeto de lei para regulamentação do mercado de carbono brasileiro sofreu uma sensível alteração, ao passar a prever a possibilidade de comercialização de créditos de carbono pelos Estados em seus respectivos territórios, incluindo áreas privadas.
Essa dinâmica é especialmente importante, dada sua complexidade quanto a questões como titularidade, metodologia e repartição de benefícios, todas relacionadas aos mencionados créditos de carbono, devendo estarmos atentos às diferenças entre os chamados “programas estatais de créditos de carbono” e os “programas jurisdicionais” previstos na norma.
Conforme o texto legal em trâmite no Congresso Nacional, os programas estatais serão aqueles desenvolvidos em áreas de propriedade e usufruto do ente público, sem sobreposição com áreas de terceiros. Em referidas áreas, poderá o ente público: (i) desenvolver diretamente projetos estatais de crédito de carbono, hipótese em que os créditos gerados serão de sua titularidade; (ii) implementar projetos privados de crédito de carbono em parceria com desenvolvedor de projetos de crédito de carbono ou (iii) realizar consórcio público com outros entes públicos de diferentes esferas federativas para desenvolvimento conjunto de projetos de crédito de carbono, com previsão de divisão de responsabilidades e repartição dos benefícios obtidos.
Paralelamente, há os programas jurisdicionais. Neles, o poder público realizará diretamente programas de redução ou remoção de gases do efeito estufa, em seu respectivo território, gerando pagamentos por resultados ambientais obtidos com a venda dos créditos de carbono gerados, inclusive em imóveis de propriedade ou usufruto de terceiros. Foi justamente nesse ponto que se deu a inovação em relação ao projeto de lei anteriormente proposto.
Antes de referida inserção, os Estados não poderiam desenvolver projetos de carbono em quaisquer áreas que não fossem de sua posse, domínio e usufruto. Por consequência, estariam autorizados a comercializar somente créditos de carbono originados em áreas públicas, como unidades de conservação. Vale lembrar, porém, que a autorização normativa prevista no projeto de lei para desenvolvimento e venda, pelos Estados, de créditos de carbono advindos de áreas privadas não extingue a possibilidade de desenvolvimento de projetos privados de carbono pelos proprietários particulares.
Nesse sentido, o texto normativo em tramitação é bastante claro ao prever que, qualquer potencial gerador de crédito de carbono (proprietário ou usufrutuário particular de determinada área), pode a qualquer tempo excluir seu imóvel do programa jurisdicional por comunicação escrita apresentada à Comissão Nacional para REDD+ ( ). Em tal hipótese, não poderá ser imposta pelo poder público qualquer condicionante ou exigência para feitura da exclusão do imóvel privado do programa jurisdicional. Ademais, será nula a eventual transação realizada pelo ente público que tenha como objeto crédito de carbono gerado em área privada depois da solicitação à CONARED+ de exclusão daquele imóvel.
Afinal, a implementação tanto dos programas estatais quanto dos programas jurisdicionais somente será possível em função da autorização prevista no projeto de lei para que qualquer gerador ou desenvolvedor de projeto de crédito de carbono, seja ele ente público (em imóvel público ou privado) ou agente particular, ofereça voluntariamente aqueles créditos gerados a partir de projetos ou programas que impliquem na redução de emissão ou remoção de gases de efeito estufa.
Ainda que não seja expressivo o volume de estudos já produzidos sobre a situação fática do mercado de carbono brasileiro, não há dúvidas sobre o potencial desse segmento em território nacional. À medida em que mais e mais atenção se dá ao tema, maiores são os questionamentos e desafios, estes responsáveis também por provocar soluções jurídicas e legislativas. Normas ainda em edição (como o PL 412/2022) ou normas recentemente editadas (como o Decreto Federal nº 11.075/2022) dão o tom de como tal mercado ainda será mais bem estruturado, incluindo diferentes agentes, como os Estados federados, no processo de desenvolvimento e comercialização dos créditos de carbono.