Uma questão que tramitava silenciosamente (e lentamente) junto ao STF desde 2003 ganhou uma grande repercussão no último mês. Foi quando o Ministro Dias Toffoli proferiu voto nos autos da ADI 2.946, conferindo parcial provimento ao pedido de inconstitucionalidade do artigo 27, da Lei nº 8.987/1995, que permite a cessão dos contratos de concessão sem a realização de nova licitação. O voto foi acompanhado, até aqui, pelo Ministro Alexandre de Moraes.
O ruído se justifica: a decisão, se acompanhada pela maioria da Corte, colocará em risco centenas de transferências de contratos de concessão realizadas ao longo das últimas décadas – e que foram cruciais para a sobrevivência de concessões e a continuidade da prestação de serviços públicos dentro dos parâmetros estabelecidos contratualmente.
O argumento em prol da inconstitucionalidade do referido art. 27, da Lei nº 8.987/1995, baseia-se no disposto no art. 175, da Constituição Federal, segundo o qual “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”. A concessão, nos termos do referido dispositivo constitucional, deve se dar, como visto, “sempre através de licitação”, enquanto o art. 27 da Lei nº 8.987/1995 prevê a possibilidade de cessão da concessão mediante simples anuência do Poder Concedente, desde que observados alguns requisitos.
Trata-se de uma construção, ao nosso ver, incorreta. A transferência de concessão, na forma como disposta no art. 27, da Lei nº 8.987/1995, é sim constitucional. Diferentemente do que se supõe, a cessão do contrato de concessão não viola a exigência de prévia licitação prevista no art. 175, da Constituição Federal.
E o motivo é muito simples: a cessão do contrato de concessão não implica um novo contrato de concessão. Trata-se, em essência, da mesma concessão contratada com o concessionário cedente – a qual foi submetida, anteriormente à sua celebração, a um processo de licitação. As condições contratuais são as mesmas e, inclusive, é requisito para a legalidade da transferência o compromisso, pelo novo concessionário, em torno do cumprimento das obrigações pactuadas naquele primeiro contrato.
É evidente que, nesse cenário, o questionamento que poderia se colocar é: como garantir, então, que o novo concessionário reúne os mesmos requisitos de qualificação técnica, econômico-financeira, fiscal, trabalhista, entre outros exigidos anteriormente pelo edital de licitação, para o cumprimento do objeto? Afinal, o processo licitatório tem, no limite, essa finalidade: a de assegurar a proposta mais vantajosa, dentro dos requisitos estabelecidos pelo Poder Concedente para a assunção do serviço a ser concedido.
A resposta – e que, na nossa visão, torna inútil a necessidade de uma nova licitação, pondo por terra qualquer argumento em prol da inconstitucionalidade do art. 27, da Lei nº 8.987/1995 – é dada pelo próprio dispositivo em torno do qual se pretende arguir inconstitucionalidade: a cessão do contrato de concessão depende, necessariamente, de o novo concessionário “atender às exigências de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e fiscal necessárias à assunção do serviço”. Ou seja, ainda que se argumente pela necessidade de nova licitação, a pergunta que fica é: para qual finalidade?
Nenhuma, evidentemente. Uma nova licitação apenas contribuiria para a criação de novos custos de transação para a continuidade do serviço concedido. Do lado da Administração, seria necessário mobilizar pessoal e recursos para a abertura de um novo certame. Para a coletividade, até que concluído o processo licitatório, o serviço concedido ficaria, em alguns casos, à mercê de uma prestação deficiente pelo concessionário – no mais das vezes, a cessão se dá, como dito, num contexto de crise econômico-financeira do concessionário cedente -, com enormes prejuízos à população.
Por fim, uma nova licitação implica em uma série de custos adicionais aos possíveis interessados em assumir a concessão – realização de estudos técnicos, contratação de equipe jurídica, contratação de assessoria financeira, entre outras -, o que poderia, em alguns casos, tornar desvantajosa a assunção da concessão, afastando interessados.