Os fatores que favorecem a crise da atividade empresarial são diversos, podendo ser equívocos contábeis de um grande projeto, um fenômeno meteorológico que acaba por impactar negativamente a atividade desenvolvida, o aumento repentino do custo de fornecedores, dentre outras questões.
Diante de tal cenário, o ordenamento jurídico prevê algumas possibilidades para superação da crise, promovendo o equilíbrio das finanças. Ao empresário e à sociedade empresária faculta-se o ajuizamento da recuperação judicial e extrajudicial, enquanto em relação às associações e cooperativas temos procedimento diferentes, no caso da última citada a liquidação ordinária e extrajudicial.
Em que pese tal faculdade conferida às sociedades empresariais, a lei de Recuperação Judicial e Falência estabelece que as sociedades cooperativas não se sujeitam a seus efeitos em virtude da natureza associativa.
Nada obstante, há bons argumentos para se pensar na possibilidade de se valerem do instituto de superação de crise, em fomento à modernização e à adaptação das normas do ordenamento jurídico brasileiro.
Sabe-se que as Cooperativas Agrícolas são sociedades que têm como objetivo reunir e organizar produtores rurais para fortalecer o poder de escala e a sua atuação no mercado, justamente o cooperativismo.
Há tempos, observa-se a organização de cooperativas como empresas de propriedade e interesses coletivos, ainda que tenham natureza associativa. Apenas para o ano de 2023, especula-se que o cooperativismo brasileiro deve movimentar em torno de R$ 600 bilhões[1], claramente um setor de atuação que movimenta expressivos valores e possui um grande número de pessoas envolvidas.
Nessa linha, observa-se que paulatinamente as cooperativas passaram a fazer parte integrante do cenário empresarial não só brasileiro, mas inclusive internacional, como potência empresarial, social e financeira.
Em território brasileiro, o crescimento de cooperativas tem cada vez mais relevância. No ano de 2018, conforme dados do Sistema OCB (2018, s/p) o número de cooperativas era de 6.828, quase quinze milhões de cooperados, gerando assim mais de quatrocentos mil empregos.
As liquidações ordinárias e extrajudiciais aplicadas às cooperativas não têm se mostrado como o melhor meio para o pagamento de credores e superação do estado de insolvência. Trata-se de certa forma de um procedimento mais simples, que se resume a um concurso de credores administrativos, faltando ao procedimento profissionais especializados, gestores, administradores com notável respaldo, ou seja, uma estruturação mais efetiva e célere.
Nesse espeque, o instituto da recuperação judicial pode ser de grande valia para as cooperativas que buscam a renegociação de suas dívidas e o soerguimento da sua atividade. Nos processos de recuperação judicial, além de diversas varas especializadas, tem-se ainda a figura do administrador judicial, fiscalizador das atividades do devedor e cumprimento do plano de recuperação judicial, além do Ministério Público, ou seja, diversos agentes especializados que promovem um ambiente negocial organizado, em prol dos credores e da própria recuperanda.
De tal forma, passa-se a ser possível, inclusive, a análise de eventual má gestão, fraudes contábeis e tributárias, responsabilização dos sócios, dentre outras questões que dizem respeito à estrutura da operação cooperativa.
Recentemente, a justiça do Rio Grande do Sul, acatou o pedido de tutela cautelar antecedente ao processo recuperação judicial[2] da Cooperativa Languiru, que acabou posteriormente optando em Assembleia Geral Extraordinária pela utilização da Liquidação Extrajudicial.
Na decisão de deferimento, a juíza Patrícia Stelmar Netto alegou justamente a necessidade de “adaptação e modernização das leis que regem tanto o cooperativismo como as empresas em crise”. Tal decisão favorável confere certo entusiasmo para as cooperativas recorrerem à Justiça.
Tem-se observado diversos casos pelo Brasil de deferimento de recuperação judicial de associações, demonstrando um cenário positivo, em prol da continuidade da atividade econômica em razão do princípio da preservação da empresa insculpido no artigo 170, III da Constituição Federal, e no artigo 47 da Lei 11.101/2005.
Essa lacuna da legislação é por onde tramita atualmente o projeto de lei 815/22, de autoria do Deputado Federal Hugo Leal, que defende a criação de um regime específico de recuperação judicial e extrajudicial para as cooperativas, com exceção às de crédito.
Tais fatores têm nos mostrado que há uma necessidade premente de superação de certos dogmas e premissas atinentes à legislação recuperacional e das cooperativas, com a flexibilização efetiva e concreta sobre a interpretação da norma que não permite a recuperação judicial e a falência de cooperativas.
Alterações que se concretizadas, servirão à modernização e melhoramento das formas de reestruturação das atividades empresariais, que exercem forte função social e desempenham um importante papel no cenário econômico.
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[1] https://coopercitrus.com.br/informe/cooperativismo-deve-movimentar-r-600-bi-em-2023/
[2] Processo nº 5002712-21.2023.8.21.0159/RS