IMPORTÂNCIA DA RELATIVIZAÇÃO DA REGULARIZAÇÃO FISCAL PARA A CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

São notórias as dificuldades financeiras de quem se vale do pedido de recuperação judicial, ainda mais para regularização dos débitos fiscais. Assim, condicionar a homologação de um plano de reestruturação à apresentação de certidões negativas de débito, comprobatórias de situação de regularidade fiscal e tributária, inviabiliza o procedimento recuperacional.

As alterações legislativas promovidas pela Lei nº 14.112/2020 provocaram mudanças na questão da regularização fiscal no instituto da Recuperação Judicial. Em seus artigos 57 e 68, a legislação determina que as empresas que se socorrem do procedimento da recuperação judicial devem apresentar certidões negativas de débitos tributários – o que já se verificava anteriormente. No entanto, a “novidade” foi que, para cumprimento de tal regra, a própria lei possibilitou o aumento do prazo para o parcelamento tributário específico para tais devedores, bem como ofereceu propostas de transação tributária, com maiores prazos e descontos para quitação do débito tributário.

A anterior inexistência de ferramentas específicas para a regularização de passivos tributários das empresas em recuperação judicial – ou a inferioridade dessas ferramentas específicas em comparação com os parcelamentos sazonais ofertados aos contribuintes em geral – fez com que se consolidasse o entendimento, tanto jurisprudencial, como doutrinário, pela inaplicabilidade da exigência da certidão negativa de débito, prevista no artigo 57 da Lei de Recuperação Judicial.

Assim, não obstante a determinação legal, as CNDs vinham sendo dispensadas pelos juízos recuperacionais, firmando-se o entendimento de que a legislação, de fato, não regulamentava a previsão do art. 68.

Quando o assunto chegou ao Superior Tribunal de Justiça para decisão, a 3ª Turma decidiu que “a apresentação de CND não constitui requisito obrigatório para concessão do pedido de recuperação judicial”, corroborando ainda mais que a demonstração da regularidade fiscal do devedor que busca o benefício recuperatório não pode ser exigida, por ser essa exigência incompatível com os princípios e objetivos que estruturam o instituto de Recuperação Judicial e que buscam salvaguardar a continuidade da atividade empresarial.

Tal enunciado se fez claro com a realidade das sociedades empresárias brasileiras em crise, as quais não raro possuem débitos fiscais, sobretudo, pela elevada carga tributária e a complexidade do sistema atual.

Todavia, com as mudanças trazidas pela Lei 14.112/2020, os juízos e tribunais brasileiros não fizeram o esperado e vêm deixando de aplicar o enunciado do STJ acerca da dispensabilidade das referidas certidões, gerando uma certa antinomia no sistema recuperacional.

Recentemente o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Tribunal que mais analisa casos de Recuperação Judicial no país – aprovou dois novos enunciados que confrontam a posição já estabelecida pelos Tribunais Superiores, STJ e STF, estabelecendo que a homologação do plano de recuperação judicial depende da prévia apresentação das certidões negativas de débitos tributários, facultada a concessão de prazo para cumprimento da exigência de regularização fiscal, sendo ainda passível de exame de ofício, ou seja, independentemente de parte recorrente.

A confusão jurisprudencial não parou por aí. O STJ, por sua vez, também, em julgados recentes, reafirmou sua posição anterior, em ambas as Turmas, no sentido da inexigibilidade da apresentação de CND para concessão da recuperação judicial, apesar das novas ferramentas de negociação disponibilizadas pela Lei 14.112/2020.

Essa conturbada situação jurisprudencial dentro dos tribunais brasileiros não parece ter um fim próximo, sendo possível até uma mudança jurisprudencial do STJ, gerando ainda mais insegurança jurídica com relação à matéria.

O fato é que entendimentos como o do TJSP são potencialmente perigosos, já que a suspensão do processo de recuperação até a apresentação das CND’s, e sem a respectiva homologação do plano de recuperação judicial, poderá ocasionar, também, a retomada de processos executivos diante do escoamento do stay period (período de suspensão das execuções contra a empresa em recuperação judicial), instrumento de real importância para empresas que buscam seu soerguimento econômico.

A revogação do artigo 57 da Lei 11.101/2005 seria o caminho ideal como forma de barrar o tratamento privilegiado à União, aos Estados e Municípios frente aos outros credores, concursais e extraconcursais, de modo a não permitir condicionar a possibilidade de reestruturação de todos os outros créditos à regularidade do débito tributário, o qual sequer é submetido à recuperação judicial.

Enquanto isso não acontece, resta às empresas em recuperação judicial torcer para que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça prevaleça, afastando a exigibilidade das certidões negativas de débitos tributários para a concessão da recuperação judicial.

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