Na quinta-feira, 19/01/2023, a B3, a bolsa brasileira, informou a exclusão dos títulos da Americanas (AMER3) de todos os seus índices a partir de sexta-feira (20), incluindo os da carteira ISE B3, que se referem às práticas ESG.
Segundo a Bolsa, a exclusão, que também alcançou diversos outros apontadores, como o IBOV e GPTW, deu pelo fato de a empresa ter ingressado com pedido de recuperação judicial diante de um escândalo que revelou dívidas potenciais da ordem de R$ 43 bilhões, envolvendo credores financeiros, trabalhistas e fornecedores.
A exclusão em si era esperada, pois a regra do jogo prevê essa situação diante de uma recuperação judicial.
O que se discute, porém, em paralelo, é como uma empresa com tamanha exposição pode ter frequentado ambiente com rigorosa regulação e figurado em um índice (ISE B3) atrelado, dentre outros pilares, à governança corporativa.
Haveria uma fragilidade na estrutura de controles das Americanas que não foi identificada? O erro ou omissão contábil praticado pela gigante do varejo seria detectável por terceiros? Índices e certificações que pipocam pelo mercado teriam o condão de realmente assegurar retidão empresarial sob a ótica ESG? Ou melhor, seria essa sua pretensão real?
Vale lembrar que o objetivo do “ISE B3 é ser o indicador do desempenho médio das cotações dos ativos de empresas selecionadas pelo seu reconhecido comprometimento com a sustentabilidade empresarial. Apoiando os investidores na tomada de decisão de investimento e induzindo as empresas a adotarem as melhores práticas de sustentabilidade, uma vez que as práticas ESG (Ambiental, Social e de Governança Corporativa, na sigla em inglês) contribuem para a perenidade dos negócios[1]”.
Em suma, no caso, a B3 seleciona empresas reconhecidas em boas práticas de sustentabilidade para integrarem a carteira de investimentos do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), sendo que essa seleção se dá pela análise das respostas de um questionário desenvolvido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas e passa por três pilares, ambiental, social e econômico financeiro, sendo dividido em quatro conjuntos: políticas (indicadores de comprometimento); gestão (indicadores de programas, metas e monitoramento); desempenho; e cumprimento legal.
Por sua vez, empresas que adotam práticas ESG tendem a ser mais seguras aos investidores, pois teriam passado por um mapeamento de seus riscos e atuariam em conformidade com leis e regulamentos.
Aliás, como bem indica a doutrina e estudiosos do tema, a sustentabilidade empresarial representa um conjunto de ações para tornar as operações da empresa ecologicamente corretas, socialmente justas e economicamente viáveis.
Companhias alinhadas a esse conceito, além dos impactos positivos proporcionados à sociedade, agregariam valor aos seus produtos e, sabendo disso, investidores teriam justificativas para priorizar companhias sustentáveis e socialmente responsáveis para serem beneficiárias de suas aplicações.
A reflexão: índices como o ISE B3 atribuído à Americanas teriam contribuído para investimentos em ações do grupo que, com a queda de valor após o fato relevante divulgado, prejudicou os investidores?
Em meados do ano de 2022, em um momento de maturação do mercado sobre a onda ESG, muito se discutiu sobre métricas, parâmetros e formas de se medir e certificar se uma empresa adota ou não ações alinhadas aos pilares ambiental, social e de governança. A conclusão, por ora, é de que é uma tarefa complexa, trabalhosa, por vezes cara, e que exige, sobretudo, relativização, considerando que não há como medir a todos pelas mesmas réguas, pelos mesmos índices.
As atividades econômicas praticadas no mundo atualmente podem ser infinitamente diferentes entre uma empresa e outra, e tentar encaixar todas elas em uma mesma forma pode ser um erro.
É por isso que o desafio para quem se propõe a reconhecer ou certificar uma boa prática de sustentabilidade corporativa é imenso, sobretudo porque ações na esfera de governança não são tão visíveis e mensuráveis como as sociais e ambientais, principalmente.
E isso tudo ocorrendo em um momento em que os investidores já sinalizam que a falta de clareza em relatórios que exploram o viés ESG de companhias dificultam investimentos mais robustos e de longo prazo. “Os investidores afirmaram que não obtêm das organizações os relatórios e os insights baseados em dados de que precisam para justificar suas tomadas de decisão de investimento e sua avaliação sobre o crescimento e o perfil de risco de uma empresa. Mais de sete a cada dez afirmam que as organizações falham em criar relatórios mais aprimorados, abrangendo divulgações financeiras e de ESG, informações essas imprescindíveis para a tomada de decisão[2]”
De alguma forma, um erro de bilhões de reais não foi identificado nem pela auditoria e nem pela Bolsa, que provavelmente se valeu das declarações da primeira.
Como essa realidade estaria alinhada à sustentabilidade empresarial, que visa, dentre diversos pontos, diferenciar empresas economicamente viáveis? Índices, certificações e reconhecimentos baseados em autodeclarações seriam suficientes para ensejar, dentre outras práticas, indicações de investimento?
Os questionamentos são válidos, mundiais e reais, e alguns ainda sem respostas. Agora é acompanhar quanto arranhadas saem as partes envolvidas nesse episódio e o que será feito para que isso não se repita futuramente.
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[1]https://www.b3.com.br/pt_br/
[2]https://exame.com/bussola/esg-direciona-decisao-de-99-dos-investidores-no-brasil-diz-pesquisa/