Em junho deste ano, entrou em vigor a Lei nº 14.879/2024, que trouxe mudanças relevantes ao artigo 63 do Código de Processo Civil (CPC) sobre a escolha do foro nos contratos.
Antes de abordarmos essas mudanças, é importante destacar, de forma resumida e com o objetivo de facilitar a compreensão do leitor “não jurídico”, que o “foro” em um contrato se refere à determinação expressa de qual será a jurisdição (tribunal) responsável por julgar eventuais disputas entre as partes, advindas do contrato.
Anteriormente à nova lei que será explicada, era possível definir em contrato um foro sem qualquer relação com os endereços das partes ou com o local da obrigação contratual, o chamado “foro aleatório”. Agora, a Lei nº 14.879/2024 proíbe o foro aleatório, determinando que a validação da cláusula de eleição de foro dependa de uma conexão direta com o domicílio ou a residência das partes, ou com o local de execução da obrigação contratual. Com isso, a nova lei busca prevenir abusos, especialmente em casos nos quais uma das partes possui menor poder de negociação, promovendo maior equilíbrio entre os contratantes.
A Lei 14.879/2024 alterou o parágrafo primeiro do art. 63 do CPC para estabelecer que a cláusula de eleição de foro somente será válida se houver ligação territorial com as partes ou com o objeto do contrato. Além disso, a lei introduziu o parágrafo quinto o artigo em questão, facultando aos juízes não julgarem um caso em que a cláusula de eleição de foro não esteja de acordo com o que foi introduzido pela lei, remetendo então o processo para o foro “correto”, ajustado aos termos da lei.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) vem aplicando uma interpretação rigorosa da nova norma, afirmando que a lei não possui efeitos retroativos para contratos firmados antes de sua vigência. No entanto, para os contratos celebrados após a vigência da lei, o TJSP tem decidido com rigor acerca do tema. Um exemplo recente envolve um contrato de locação de equipamento (Agravo de Instrumento nº 2212970-77.2024.8.26.0000), em que o TJSP declarou abusiva a cláusula de eleição de foro em São Paulo para um equipamento a ser utilizado em outra comarca, remetendo a competência para o local de cumprimento da obrigação contratual.
Outro exemplo importante da aplicação prática da nova lei ocorreu em um processo no qual o TJSP observou o parágrafo quinto do art. 63 para declinar de julgar o caso, em razão da ausência de vínculo territorial entre as partes e a comarca eleita (Agravo de Instrumento nº 2250122-62.2024.8.26.0000). Esse caso evidencia a eficácia da nova regra e demonstra que o TJSP está atuando de maneira proativa ao identificar cláusulas abusivas de foro e se afastar do julgamento desses casos, mesmo sem provocação das partes.
As decisões do TJSP também reforçam a importância do aspecto temporal na aplicação da Lei nº 14.879/2024, ao reafirmar que contratos firmados antes de sua vigência devem obedecer às normas da legislação anterior. Em uma decisão recente (Agravo de Instrumento nº 2215581-03.2024.8.26.0000), o tribunal reformou uma sentença que havia determinado a remessa dos autos para outra comarca, enfatizando que a cláusula de foro deveria ser mantida, por ser válida na época da celebração do contrato.
Desse modo, portanto, a Lei 14.879/2024 representa um avanço importante para as relações contratuais no Brasil. Ela introduz maior clareza e objetividade às cláusulas de eleição de foro ao definir critérios específicos para a validade destas e, ainda, autorizar que os juízes se neguem a julgar casos neste sentido, pelo caráter abusivo que isso pode representar em uma relação contratual, reforçando, assim, o equilíbrio e a coerência nos contratos.