Multa administrativa ambiental não é transmitida aos sucessores

Ao julgar o Recurso Especial interposto pelo IBAMA (REsp nº 1823083 / AL), a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que multa administrativa por lesão ambiental não alcança herdeiro que não tenha contribuído, por ação ou omissão, à degradação discutida.

O fato concreto em discussão é bastante interessante. Isto porque o IBAMA lavrou auto de infração e aplicou multa administrativa contra o herdeiro de determinada área por infração ambiental não cometida por ele, mas sim pelo autor da herança, já falecido.

O STJ, porém, sedimentou o entendimento de que, conforme a Súmula 623 e o Tema 1.204, as obrigações ambientais possuem natureza propter rem quando se trata de responsabilidade civil, não de responsabilidade administrativa. É neste ponto que devemos compreender melhor um conceito fundamental ao Direito Ambiental e suas implicações: a Tríplice Responsabilidade Ambiental.

Visando à garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a Constituição Federal de 1988 previu, em seu artigo 225, §3º, que toda conduta poluidora sujeitaria o poluidor a sanções penais e administrativas, além da obrigação de reparação dos danos (obrigação inserida na esfera cível).

Por consequência, uma mesma conduta praticada por um mesmo poluidor poderia culminar em três processos simultâneos – um na esfera civil, outro na esfera penal e, ainda mais, um na esfera administrativa – sem que pudesse ser alegada a litispendência como tese de defesa. No entanto, as três responsabilidades não se confundem, guardando características próprias.

Exemplo disso, a responsabilidade civil, mencionada na Súmula 623 do STJ e no Tema 1.204, é objetiva. Em outras palavras, para o direito ambiental, quando se trata de reparar o dano existente, não cabe a discussão sobre a existência ou não de culpa, bastando que fique demonstrada a ocorrência de um dano, a prática de uma conduta pelo suposto poluidor (seja por ação ou omissão) e a relação entre o ato e a degradação (nexo de causalidade).

Além disso, a responsabilidade civil é solidária (ou seja, havendo mais de um causador do dano ambiental, todos responderão em conjunto integralmente pela reparação) e possui natureza propter rem, assim entendida como aquela obrigação relacionada à coisa, não a uma pessoa em especial. Explicando de maneira mais palatável, se constatado determinado dano ambiental em uma área, não importa que a degradação tenha sido cometida por um proprietário anterior, pois o proprietário atual também será responsável dado a lesão ambiental estar vinculada ao imóvel em si e alcançar as pessoas indicadas na cadeia dominial.

Situação bastante diferente ocorre nas esferas penal e administrativa. Nelas, a responsabilidade é subjetiva. Assim, para que determinado sujeito seja responsabilizado por crime (esfera penal) ou infração (esfera administrativa) ambiental, é imprescindível a apuração de sua efetiva culpabilidade, seja por dolo ou culpa em sentido estrito. Deste modo, ao tratar de uma infração administrativa, a autoridade ambiental não poderia lavrar auto de infração em desfavor de pessoa diferente daquela que efetivamente praticou a conduta lesiva.

Foi exatamente essa a conclusão consolidada pelo STJ no julgamento do Recurso Especial mencionado. A autoridade ambiental não poderia lavrar auto de infração contra o herdeiro do imóvel, já que não foi ele quem cometeu a infração ambiental. O real transgressor, neste caso, era o autor da herança, motivo pelo qual apenas ele seria responsável administrativamente pelo pagamento da multa. Com a morte do suposto infrator, a punição deveria ser extinta.

Assim, independentemente de ser o herdeiro responsável pela reparação do dano ambiental na esfera cível (natureza propter rem da reparação), não seria ele responsável pela multa aplicada em razão da infração administrativa cometida pelo autor da herança (natureza subjetiva da responsabilidade administrativa).

Compreender a dimensão da tríplice responsabilidade ambiental e as particularidades desse instituto é, portanto, fundamental para entendermos os poderes e as limitações das autoridades públicas no exercício de sua competência de fiscalização ambiental.

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