NOVA LEGISLAÇÃO INSTITUI O VOTO PLURAL E PROMOVE ALTERAÇÕES NA LEGISLAÇÃO SOCIETÁRIA

Em 27 de agosto de 2021, foi publicada a Lei 14.195/21, resultante da conversão da Medida Provisória 1.040/21.

Durante o processo legislativo, a MP 1.040/21 sofreu diversas alterações, que expandiram o seu objetivo original de promoção da melhora do ambiente de negócios no país e, consequentemente, da posição do Brasil na classificação geral do Relatório “Doing Business” do Banco Mundial.

Por conta da multiplicidade de assuntos tratados na Lei 14.195/21, abordaremos neste artigo exclusivamente (i) a criação do voto plural e (ii) as principais alterações à legislação societária.

Voto plural

O voto plural foi introduzido no ordenamento jurídico do país, através da inclusão do novo artigo 110-A e da alteração de outros artigos da Lei 6.404/76 (Lei das S.A.). As ações com voto plural são bastante utilizadas em ofertas públicas iniciais (IPOs) por empresas listadas nos EUA (onde são conhecidas como super voting shares), em que o controle pelos fundadores é percebido pelos investidores como importante para a criação de valor na companhia.

Através do voto plural, assegura-se ao seu titular uma influência nas decisões da companhia maior do que a sua efetiva contribuição ao capital. Esse instrumento pode ser fundamental para conciliar o exercício do controle da companhia com a captação de recursos que impactarão no desenvolvimento de suas atividades.

Nos últimos anos, diversas empresas brasileiras listaram suas ações em bolsas norte-americanas utilizando-se desse mecanismo. Assim, uma alteração da Lei das S.A. era aguardada pelo mercado, de modo a permitir uma concorrência em melhores condições com as bolsas de valores estrangeiras.

A nova regra do voto plural permite às companhias criar uma ou mais classes de ações ordinárias, sendo que cada ação de classe com voto plural poderá ter até 10 (dez votos). Com isso, tais companhias poderão ampliar o potencial de captação de recursos sem perda de controle pelos fundadores, mediante a criação de duas classes de ações: uma classe de ações com voto plural, a ser detida exclusivamente pelos fundadores e outra sem voto plural, a ser oferecida aos investidores em geral, seja através de oferta privada, ou quando do IPO ou em ofertas subsequentes de ações.

Como exemplo, em uma companhia que emita apenas ações ordinárias e uma classe de ações ordinárias com 10 votos por ação, os detentores das ações com voto plural poderão assegurar o controle do negócio com aproximadamente 9,09% do capital total da companhia. Ademais, se essa empresa tiver ainda metade do seu capital composto por ações preferenciais sem direito a voto (ou com voto restrito), tal percentual poderá ser reduzido para aproximadamente 4,55% do capital total.

Vale notar que as ações com voto plural têm prazo de duração limitado e uma transferência de tais ações a um terceiro resultará na sua conversão automática em ações ordinárias sem voto plural.

Segue abaixo um resumo das principais características das ações ordinárias de classe especial com voto plural:

  • Possibilidade de criação de uma ou mais classes de ações ordinárias, sendo que cada classe poderá ter até dez votos por ação. Combinando-se essa estrutura com a emissão de ações preferenciais sem direito a voto, a lei passa a dar maior flexibilidade para a estruturação do capital acionário.
  • As características das ações ordinárias com voto plural devem ser estabelecidas no estatuto social da companhia.
  • Salvo se o estatuto social estabelecer quórum maior, a criação de classe de ações ordinárias com voto plural requer o voto favorável de: (i) metade, no mínimo, dos votos das ações com direito a voto; e (ii) se houver, metade, no mínimo, das ações preferenciais sem direito a voto (ou com voto restrito).
  • Companhias abertas que já tenham suas ações ou valores mobiliários conversíveis negociados em mercados organizados não podem adotar o voto plural. Ou seja, só podem adotar o voto plural as companhias fechadas ou as companhias abertas que ainda não tenham sido listadas.
  • A ação com voto plural terá prazo de vigência inicial de até sete anos, prorrogáveis por qualquer prazo, desde que observados os quóruns mencionados acima e que os titulares da classe em questão sejam excluídos da votação. O término do voto plural também poderá estar condicionado à ocorrência de determinados eventos.
  • Os acionistas dissidentes da deliberação que aprovar a criação de classe de ação ordinária com voto plural (ou a prorrogação do seu prazo de duração) terão direito de retirada da companhia.
  • A ação ordinária com voto plural será automaticamente convertida em ação ordinária sem voto plural se for transferida a terceiros, exceto se (i) o alienante permanecer indiretamente como único titular de tais ações; e (ii) o terceiro for titular da mesma classe de ações ordinárias com voto plural.
  • A lei não estabeleceu de forma expressa a conversão automática na hipótese de transferência, direta ou indireta, das ações ou quotas do titular da ação com voto plural a um terceiro.
  • Também haverá a conversão automática se o detentor de ações ordinárias com voto plural firmar acordo dispondo sobre o exercício conjunto do seu direito de voto com acionista que não detenha ações com voto plural.
  • Para adequar-se ao voto plural, foram promovidos ajustes nos quóruns de instalação e deliberação de assembleias estabelecidos na Lei das S.A., para prever que tais quóruns passem a considerar o número de votos das ações votantes, e não mais o número de ações ou um percentual do capital social.
  • Outros quóruns, no entanto, continuam sendo determinados com base em percentuais do capital social.
  • Deliberações assembleares acerca (i) da remuneração de administradores e (ii) da aprovação de transações com partes relacionadas que atendam a critérios de relevância a serem definidos pela CVM não adotarão o voto plural. Note-se que esse segundo item parece criar uma nova competência da assembleia geral para companhias que adotem o voto plural.

A nova Lei também vedou operações de incorporação, incorporação de ações, fusão ou cisão de companhias abertas listadas que não adotem voto plural em companhias que adotem voto plural, o que pode se tornar um desincentivo à adoção dessas estruturas, dado que poderá dificultar o crescimento via aquisições com contraprestação em ações.

Para as companhias que adotarem o voto plural e desejarem abrir o seu capital, será necessário avaliar ainda como as entidades administradoras dos segmentos de listagem, como a B3, irão se adaptar à listagem de tais companhias no Brasil.

 

Principais alterações à legislação societária:

Seguem um rol exemplificativo dos principais aspectos que foram alterados na legislação societária:

  • Alteração do artigo 122 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“LSA”), para a inclusão novas matérias de competência privativa da assembleia geral de acionistas, quais sejam: “Artigo 122 (…) VIII – deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar as suas contas; (…) IX – autorizar os administradores a confessar falência e a pedir recuperação judicial X – deliberar, quando se tratar de companhias abertas, sobre a celebração de transações com partes relacionadas, a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% (cinquenta por cento) do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado.” Com essas inclusões, assegura-se aos acionistas minoritários de companhias abertas a possibilidade de ciência prévia de atos que podem resultar no esvaziamento do patrimônio da empresa ou, em se tratando de operações com partes relacionadas, representar conflito de interesse e contratações em condições mais favoráveis que as de mercado (e, portanto, potencialmente prejudiciais à companhia).
  • Alteração da alínea “ii” do parágrafo 1º do Artigo 124 da LSA – para aumentar o prazo da primeira convocação de assembleia geral em companhia aberta, passando de 15 (dias) para 21 (vinte e um) dias. Este aumento de prazo permite uma melhor programação dos acionistas minoritários para comparecerem ou nomearem representantes que compareçam às assembleias gerais.
  • Alteração da alínea “i” do parágrafo 5º do Artigo 124 da LSA – para possibilitar a solicitação de adiamento de assembleia por um prazo de até 30 (trinta) dias, a pedido de quaisquer acionistas, desde que fundamentada, em caso de insuficiência de informações necessárias para deliberação. Esta alteração visa assegurar aos acionistas acesso e tempo hábil para exame de documentos e informações a serem objeto de deliberação em assembleia geral.
  • Alteração do caput do artigo 146 da Lei 6.404/76, para dar mais clareza quanto à competência para ser membro da administração, bem como incluir os poderes necessários que o procurador do administrador residente no exterior deva constituir. “Art. 146. Apenas pessoas naturais poderão ser eleitas para membros dos órgãos de administração. (…) § 2º A posse de administrador residente ou domiciliado no exterior fica condicionada à constituição de representante residente no país, com poderes para, até, no mínimo, 3 (três) anos após o término do prazo de gestão do administrador, receber: I – citações em ações contra ele propostas com base na legislação societária; e 5 II – citações e intimações em processos administrativos instaurados pela Comissão de Valores Mobiliários, no caso de exercício de cargo de administração em companhia aberta.
  • Diretores não residentes: A legislação trouxe a possibilidade de eleição de diretores não residentes, desde que nomeiem representante no país para recebimento de citação. Anteriormente, apenas os membros dos conselhos de administração podiam ser não residentes.
  • Livros eletrônicos das companhias fechadas. As companhias fechadas ficam autorizadas a substituir seus livros societários tradicionais por registros mecanizados ou eletrônicos, nos termos de regulamentação a ser emitido.

 

Companhias abertas

Foram introduzidas as seguintes novidades com relação às companhias abertas:

  • O prazo de primeira convocação das assembleias gerais passa a ser de 21 dias.
  • Passa a ser competência exclusiva das assembleias gerais a deliberação sobre a celebração de transações com partes relacionadas e a alienação ou a contribuição para outra empresa de ativos, caso o valor da operação corresponda a mais de 50% do valor dos ativos totais da companhia constantes do último balanço aprovado.
  • Com vigência em 360 dias contados da publicação da Lei, fica vedada a acumulação do cargo de presidente do conselho de administração com o cargo de diretor-presidente ou de principal executivo da companhia. [1] Com isso, a Lei das S.A. aproxima todas as companhias abertas de regra já adotadas nos segmentos especiais de listagem da B3.
  • Na composição do conselho de administração de todas as companhias abertas, passa a ser obrigatória a participação de conselheiros independentes, em termos e prazos a serem oportunamente definidos pela CVM. Atualmente, as companhias abertas listadas no Novo Mercado e no Nível 2 da B3 já são obrigadas a ter conselheiros independentes[2], sendo necessário aguardar também a definição das regras a serem propostas pela CVM sobre o tema.

 

Outros temas societários

Além das mudanças aplicáveis às sociedades por ações, a Lei 14.195/21 trouxe ainda as seguintes alterações relevantes para o Direito Societário:

  • As Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada (EIRELIs) serão transformadas em Sociedades Limitadas Unipessoais, conforme ato do DREI que irá disciplinar a matéria.
  • CNPJ como nome empresarial. As pessoas jurídicas poderão adotar o número do CNPJ como nome empresarial, seguido da partícula identificadora do tipo societário (por exemplo, “Ltda.” ou “S.A.”), quando exigido por lei.
  • Notas Comerciais. Regulamentação das notas comerciais com a possibilidade de sua emissão por sociedades limitadas e cooperativas.  A oferta privada de nota comercial poderá conter cláusula de conversibilidade em participação societária, exceto em relação às sociedades anônimas, o que poderá ser um instrumento útil para operações de venture capital em sociedades limitadas.
  • Sociedades Empresárias – Unificação. Uma alteração relevante aprovada pelo Congresso Nacional que, no entanto, foi vetada pelo Presidente da República, foi a eliminação das sociedades simples e a submissão de todas as sociedades a um regime unificado como sociedades empresárias. Tal veto será apreciado em sessão conjunta do Congresso Nacional e poderá ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores.

 

Tags: No tags