O STAY PERIOD E A POSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO ALÉM DO PRAZO PREVISTO NO ART. 6º, §4º

É inegável o fato de que quando uma empresa ajuíza uma ação de Recuperação Judicial significa que está passando por uma delicada crise econômico-financeira. Em razão disso, frequentemente, possui contra si diversas ações executivas de créditos que já não está mais conseguindo adimplir.

Por essas razões, como meio de garantir a efetividade do processo recuperacional, a possibilidade de manutenção das atividades da empresa e também viabilizar um período para os credores negociarem com   os termos do Plano de Recuperação Judicial que será aprovado por assembleia, a lei 11.101/2005, em seu artigo 6º, inciso II e III, combinado com o §4º do mesmo artigo, determinou que todas as ações de execução, bem como as medidas expropriatórias judiciais ou extrajudiciais, devem permanecer suspensas pelo prazo de 180 (cento e oitenta dias), podendo ser prorrogado por igual período, desde que a empresa em Recuperação Judicial não tenha dado causa aos motivos que levariam à prorrogação.

Tal período de suspensão é chamado de Stay Period ou Período de Blindagem e, nos termos da lei, somente seria possível pelo prazo máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias (180 + 180).

Ocorre que, não raramente e por diversos fatores alheios à vontade da empresa em recuperação – como, por exemplo, em razão da própria morosidade do poder judiciário devido ao excesso de volume de trabalho – os prazos de suspensão se mostram insuficientes.

Com isso, inicia-se um conflito entre a regra expressa contida na lei e o princípio da preservação da empresa que também está previsto no artigo 47.

Ou seja, se por um lado a lei veda a possibilidade de prorrogação do Stay Period para além dos 360 (trezentos e sessenta) dias, por outro, ela também estabelece que a função principal do processo recuperacional é viabilizar a continuidade da empresa, mantendo-se assim os postos de trabalho, a arrecadação de impostos e a ordem da cadeia produtiva, de modo que a aplicação literal da norma pode impactar negativamente as empresas que enfrentem dificuldades adicionais no processo de recuperação judicial que, repita-se, não deu causa.

Assim, nasce a necessidade de uma análise casuística pelo poder judiciário que deve ser capaz de interpretar a norma à luz das especificidades de cada situação concreta, especialmente quando, novamente, a mora no processo não é atribuível ao devedor em situação recuperacional, mas a terceiros e até mesmo ao próprio órgão julgador.

E, nesse passo, convém aqui mencionar dois casos recentes enfrentados pelo poder judiciário.

O primeiro deles se deu no julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.991.103/MT, sob a relatoria do Exmo. Ministro Marco Aurélio Bellizze, no qual se entendeu pela possibilidade de prorrogação do Stay Period para além do prazo previsto em lei, porém, a extensão somente ocorreria se houvesse deliberação e aprovação pela assembleia geral de credores.

Contudo, em sentido semelhante, mas de forma menos restritiva, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao julgar o Agravo de Instrumento nº 2106236-39.2023.8.26.0000, entendeu por autorizar a prorrogação do Stay Period em razão da ausência de comprovação de que tenha sido a empresa em recuperação quem deu causa ao atraso.

Observa-se que no último caso o Exmo. Desembargador Natan Zelinschi de Arruda expôs em seu voto que no caso analisado não havia indícios de que a recuperanda tenha, propositalmente, retardado o trâmite processual, tendo, inclusive, a própria administradora informado que todos os prazos foram cumpridos tempestivamente pela empresa em soerguimento e, portanto, em uma análise principiológica, não haveria óbice para a prorrogação do período de blindagem para que pudesse ter maior tranquilidade na elaboração e aprovação do plano recuperacional.

Portanto, verifica-se que a tendência jurisprudencial é no sentido de que é possível a prorrogação do Stay Period para além dos 360 (trezentos e sessenta) dias previstos no artigo 6º, §4º da Lei 11.101/2005, desde que a empresa em recuperação não tenha contribuído para os motivos que levaram ao atraso, parecendo mais correta a interpretação dada pelo   Tribunal de Justiça de São Paulo, afinal, a prorrogação excepcional do Stay Period, quando justificada, pode assegurar a continuidade das atividades empresariais, a manutenção dos empregos e a possibilidade de apresentação de um plano de recuperação viável.

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