Proteção dos bens essenciais na recuperação judicial: garantindo a continuidade em meio à reestruturação da empresa

Bens de capital essenciais são ativos que geram fluxo de caixa positivo para as empresas e, portanto, são cruciais para a sua continuidade. Muitas vezes, esses bens estão atrelados a garantias de alienação fiduciária ou arrendamento mercantil, o que, em regra, os exclui do processo de recuperação judicial.

Contudo, em uma situação de crise temporária, o juízo da recuperação judicial pode considerar esses bens como fundamentais para o desenvolvimento das atividades da empresa em recuperação. Esse entendimento pode resultar na suspensão temporária do direito do credor de reaver o bem durante o stay period — um período de proteção definido pelo §4º do artigo 6º da Lei de Recuperação Judicial e Falências (LRF) — sob o argumento de que a retirada desse bem inviabilizaria a continuidade das operações.

Mesmo após o término do período de suspensão, os bens considerados essenciais ao exercício da atividade empresarial não podem ser retirados de imediato. O devedor deve comunicar ao Juízo Universal a necessidade de manter esses bens, fornecendo informações que justifiquem essa decisão. Tal prerrogativa busca preservar o princípio de recuperação da empresa e garantir sua função social e econômica, conforme expresso no artigo 47 da LRF.

Apesar da inclusão do §7-A no artigo 6º da LRF pela Lei nº 14.112/2020, que amplia a proteção dos bens essenciais, ainda persiste uma insegurança jurídica em definir a essencialidade desses bens no Judiciário. As decisões variam entre as instâncias, gerando incertezas sobre a aplicação da lei.

No julgamento do Recurso Especial nº 1.758.746/GO, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfatizou que apenas os bens corpóreos — aqueles empregados diretamente na produção — podem ser considerados essenciais.

No entanto, a 3ª Turma do STJ adota entendimento diverso, considerando que, caso determinado bem não seja de capital, o juízo recuperacional não possui competência para declarar sua essencialidade. Esse posicionamento contraria o próprio §4º do artigo 6º da LRF, que concede ao juízo da recuperação judicial a prerrogativa de decidir sobre a essencialidade dos bens para o desenvolvimento das atividades empresariais.

No que tange aos recebíveis — direitos creditórios e recursos financeiros —, estes não são considerados bens de capital. Por não serem diretamente empregados no processo produtivo, a sua expropriação, em tese, não afetaria a continuidade das operações empresariais, embora, na prática, a falta de acesso a esses recursos possa comprometer o fluxo de caixa da empresa em recuperação.

Assim, o STJ tem afirmado que os direitos creditórios relacionados aos recebíveis possuem natureza jurídica de propriedade fiduciária e, portanto, estão fora do alcance das proteções concedidas no processo de recuperação judicial. Dessa forma, o juízo não pode impedir a execução desses créditos por parte dos credores fiduciários, especialmente no caso de instrumentos como a trava bancária, resultante de cessões fiduciárias.

A análise da legislação e da jurisprudência sobre a proteção dos bens essenciais na recuperação judicial revela o esforço em equilibrar a continuidade das atividades da empresa com os direitos dos credores. Contudo, a atual legislação ainda apresenta lacunas, que muitas vezes dificultam a efetividade do processo recuperacional e a obtenção dos objetivos pretendidos pela lei.

Em tempos de crise, fica evidenciada a importância de aprimorar o regime de recuperação judicial, especialmente no que tange ao tratamento dos bens essenciais. A legislação precisa evoluir para definir, com clareza, a prevalência entre os interesses dos credores concursais e extraconcursais, minimizando conflitos sobre o patrimônio do devedor e promovendo uma interpretação coerente da LRF, do Código de Processo Civil e de outras normas aplicáveis.

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