Publicada em 28/03/2024, a Lei nº 14.833 trouxe uma importante mudança no artigo 499 do Código de Processo Civil. Agora, em determinadas ações que tratarem de obrigação de fazer, não fazer ou entregar coisa, caso o demandante (credor) peça a conversão da obrigação em perdas e danos, o juiz, primeiramente, concederá ao demandado (devedor) a faculdade de cumprir a tutela específica.
Antes dessa alteração, o dispositivo previa apenas que a obrigação seria convertida em indenização se o demandante assim requeresse, ou se fosse impossível obter a tutela.
A recente lei, que introduziu um novo parágrafo ao artigo mencionado, passou a prever que, em processos que envolvam determinadas matérias, o juiz possibilitará ao réu o cumprimento da obrigação, antes da sua conversão em perdas e danos. A alteração passa a valer para ações tocantes à (1) responsabilidade contratual decorrente de vício redibitório, (2) empreitada e (3) seguro, bem como (4) às responsabilidades subsidiária e solidária.
Como é sabido, os vícios redibitórios são defeitos ocultos que maculam o objeto do contrato, tornando-o inadequado para o uso ou reduzindo seu valor. Aparentemente, a inovação do legislador não abrangeu os vícios ocorridos em relações de consumo.
Já o empreiteiro de materiais e execução é responsável pela segurança e solidez dos edifícios e outras construções, podendo surgir discussões decorrentes do contrato firmado nessa seara.
No tocante ao contrato de seguro, tem-se que o segurador é encarregado da garantia do interesse do segurado, sendo responsabilizado, assim, por eventuais riscos predeterminados.
Por fim, as responsabilidades subsidiária e solidária podem aparecer em diversos casos e temáticas que envolvam mais de um demandado. Aqui, já se tem uma crítica à inovação legislativa, pois não fica clara a abrangência do dispositivo para casos que envolvam mais de um responsável pela obrigação.
Além disso, fato é que a nova lei alterou completamente o sentido da previsão que existia no Código de Processo Civil.
O artigo 497 já estabelece que, em demanda visando o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz, se julgar procedente o pedido, concederá a tutela específica ou adotará medidas para viabilizar o resultado prático equivalente.
E a regra geral, contida no caput do artigo 499, é no sentido de que a conversão da obrigação em perdas e danos só se efetivará na eventualidade de ser impossível a obtenção da tutela específica ou do resultado prático equivalente, ou, ainda, se o autor expressamente assim requerer.
Agora, porém, em diversos casos – valendo lembrar que a abrangência sequer ficou clara na alteração legislativa –, ainda que o demandante requeira a conversão em perdas e danos, deverá ser facultada ao demandado uma nova oportunidade para adimplir a tutela.
Pelo que se vê, o legislador buscou prestigiar o instituto do negócio jurídico e reforçar a necessidade do cumprimento das obrigações específicas livremente ajustadas entre as partes, deixando em segundo plano a pretensão indenizatória, apenas como última alternativa.
No entanto, diante dessa alteração, é preciso que o Poder Judiciário analise as particularidades de cada caso e profira as decisões com base não só no texto frio da lei. É preciso, também, que sejam observados os princípios basilares do ordenamento jurídico, em especial o princípio da razoabilidade.
Não parece razoável que, em determinadas situações, seja vedada a conversão imediata da obrigação em perdas e danos, em especial naquelas em que a inércia da parte contrária seja reiterada e que a prestação da tutela específica seja totalmente inviável na perspectiva do credor, até mesmo pela quebra da confiança.
Portanto, o novo desafio enfrentado no meio jurídico é demonstrar ao julgador que, dependendo do cenário, a faculdade para o cumprimento da tutela específica não deve ser concedida, pois seria medida prejudicial aos interesses da parte que foi efetivamente lesada e, por essa razão, precisou recorrer ao auxílio do Poder Judiciário.
De toda forma, a Lei nº 14.833 implicou uma grande alteração na regra processual já insculpida e, por certo, trará impactos significativos na esfera judicial. Agora, resta acompanhar, na prática, como os Tribunais se posicionarão diante dessa relevante mudança.