Na última semana uma notícia despertou surpresa e curiosidade de alguns que acompanham noticiários e, sobretudo, àqueles que assistem os telejornais da Rede Globo de Televisão: a demissão do jornalista Rodrigo Boccardi.
A nota divulgada pela emissora indicava que o jornalista, com 25 anos de casa, seria substituído por uma colega na bancada do Bom Dia São Paulo a partir do dia 31 de janeiro.
E foi além: a emissora indicou que Rodrigo fora “desligado por descumprir éticas do Jornalismo da Globo”, e como era “de conhecimento de todos, a empresa não comenta decisões de compliance”.
Não demorou para a especulação acerca dos motivos se iniciar e informações vazarem trazendo o que seriam as razões da demissão: aparentemente o jornalista exercia atividades paralelas de comunicação para empresas de mídia e jornalismo, além de realizar consultorias de “media training” através de empresa de sua propriedade, que o colocaria em uma situação de conflito de interesses, inclusive com relacionamento próximo a políticos e órgãos da administração pública.
Essa situação pareceu conflituosa com o que pregava sua ex-empregadora, resultando em sua demissão.
A despeito da razão em si, que parece correta – haveria ali um conflito de interesses – o detalhe que chama atenção aos que trabalham com Compliance, porém, fica por conta de a Rede Globo deliberadamente informar na nota que o desligamento ocorreu por motivos de conformidade.
É incomum que empresas divulguem internamente, quiçá publicamente, que uma demissão foi baseada em questões de compliance.
Aliás, mesmo tendo um caso fundamentado em mãos, em que fica demonstrada a prática da não conformidade por um colaborador, muitas empresas preferem demitir o profissional sem justa causa e sem fazer qualquer relação a um tema de compliance.
Há quem tenha medo de eventual reversão na Justiça do Trabalho, há quem entenda que a violação a um Código de Conduta ou Política interna da empresa não seja suficiente para uma demissão, como há também quem entenda que indicar que uma demissão foi baseada em uma questão de não conformidade possa expor uma fragilidade interna da empresa aos colaboradores e ao mercado.
Por outro lado, também há razões para se divulgar essa situação (leia-se a justificativa macro, e não os detalhes das investigações e reais motivos, que devem ser sigilosos), seja internamente, seja publicamente, e a principal delas seria o aspecto pedagógico.
A Rede Globo ao emitir nota pública indicando o descumprimento de questões éticas do jornalismo pelo profissional e associando o ocorrido a temas de compliance deu um recado claro a seus mais de 18 mil colaboradores e mais de 110 redes afiliadas: condutas não conformes não serão aceitas, seja para quem for.
E isso foi muito interessante. Foi um recado claro, pensado, ostensivo e direto de que a empresa não vai tolerar desvios de conformidade, ainda que você seja um jornalista famoso, âncora de telejornal diário.
Ou seja, esta postura não apenas reforça a integridade da estrutura corporativa, mas também pode se refletir positivamente no engajamento e na moral dos profissionais, que, cientes de que atos inadequados não serão tolerados, passam a ver a empresa como uma organização justa e comprometida com seus valores.
Aliás, se um programa de Compliance corporativo deve prevenir, detectar e corrigir não conformidades, deve também comunicar, deixando claro que haverá consequências para quem se desviar do caminho da conformidade.
A velha relação de causa e efeito é muito válida, sobretudo quando se treina adultos, como no caso de empresas.
Além disso, a comunicação clara dos motivos relacionados ao compliance serve como uma forte mensagem ao mercado e aos stakeholders da empresa. Este posicionamento proativo pode melhorar a percepção pública da organização, mostrando que ela está comprometida com as melhores práticas e a ética profissional.
Outras empresas, ao observarem o exemplo dado pela Rede Globo, podem se sentir encorajadas a seguir um caminho semelhante, promovendo um ecossistema corporativo mais íntegro e confiável.
Por sua vez, investidores e parceiros podem ver esta ação como um indicador de uma governança sólida, o que pode resultar em um aumento da confiança e potencialmente em investimentos futuros.
Ao criar um padrão elevado de comportamento esperado dentro do mercado de trabalho, a Globo estabelece um precedente que pode elevar o nível de compliance em todo o setor.
Enfim, o detalhe que envolveu a demissão do jornalista famoso trouxe luz a uma situação por vezes negligenciada pelas empresas dado seu potencial pedagógico e instrutivo, e que merece mais atenção no cotidiano corporativo.