Promulgada em 23 de setembro de 1996, a Lei de Arbitragem completará, em 2021, vinte e cinco anos de vigência. E é certo que, a cada ano que se passa, a arbitragem é cada vez mais utilizada, principalmente por empresas de grande porte para tratar de litígios de alta complexidade e valor envolvido, pelo fato de ser considerada um dos mais confiáveis métodos de resolução de conflitos.
Para se ter ideia, segundo a pesquisa “Arbitragem em Números e Valores”¹, elaborada por Selma Lemes e concluída no final de 2020, no ano de 2019, havia um total de 967 procedimentos arbitrais em andamento nas 8 principais Câmaras de Arbitragem do País, dos quais 289 teriam sido iniciados no mesmo ano (2019).
Segundo a pesquisa, grande maioria das arbitragens entrantes em 2019 estariam relacionadas a matérias societárias, conflitos em contratos empresariais em geral, bem como questões de construção civil e energia, sendo que estas duas últimas seriam as líderes no quesito valores envolvidos nas discussões.
Em que pese o constante crescimento da arbitragem no Brasil, muitos assuntos já estampados na Lei de Arbitragem continuam a ser levados ao Poder Judiciário. Dentre eles, merece destaque a questão referente à competência do Juízo Arbitral para julgamento.
Para que um litígio seja julgado por uma Câmara de Arbitragem, é imprescindível que conste no contrato firmado pelas partes a cláusula compromissória. Essa cláusula nada mais é que a renúncia das partes quanto ao julgamento pelo Poder Judiciário e a eleição de um Juízo Arbitral para decidir os litígios.
Nos termos do princípio do “kompetenz-kompetenz”, já bem solidificado no cenário internacional, cabe aos árbitros decidirem acerca de sua própria competência. Esse princípio está, inclusive, estampado na Lei de Arbitragem, a qual estabelece que caberá ao árbitro decidir acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha cláusula compromissória.
Contudo, apesar da previsão expressa na Lei de Arbitragem, muitas demandas envolvendo a validade e a eficácia da cláusula de arbitragem ainda são levadas originalmente ao Poder Judiciário, pretendendo-se que o juiz afaste a competência do árbitro e traga a discussão para a justiça comum. É o caso, por exemplo, do Recurso Especial nº 159.162² – AM, julgado em 09 de dezembro de 2020.
No julgamento, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou no sentido de que cabe ao Juízo Arbitral decidir, com prioridade ao juiz togado (Judiciário), a respeito da existência, validade e eficácia da cláusula pactuada entre as partes, e que, portanto prevê a resolução de conflitos por meio de arbitragem. Em outras palavras, caberia ao próprio árbitro verificar e decidir sobre a existência da cláusula de arbitragem e sua validade, para início do procedimento arbitral.
Por curiosidade, entretanto, destaca-se a recente decisão, também proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, de que, diante de controvérsia em torno da validade e da eficácia de uma cláusula compromissória, entendeu por bem afastar a competência do juízo arbitral.
Em um primeiro momento, tal decisão pode parecer contrária à Lei de Arbitragem, porém, quando analisadas as particularidades do caso, verifica-se sua coerência.
Isto porque as mesmas partes já haviam submetido outras duas demandas anteriores e conexas ao Poder Judiciário, o que caracterizou uma renúncia tácita à cláusula que previa a resolução de conflitos pela arbitragem³. Entendeu-se, portanto, que ao propor ações perante o Poder Judiciário, os contratantes nutriram justa expectativa de que todos os litígios provenientes do mesmo contrato seriam também solucionados pela Justiça comum e não pelo juízo arbitral, como havia sido previsto em contrato.
Sendo assim, considerando que o ordenamento jurídico veda a conduta contraditória das partes e zela pela observância ao princípio da boa-fé objetiva, entende-se adequado o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.
Conclui-se, portanto, que apesar de seus quase 25 anos de vigência, alguns temas de arbitragem ainda são levados à discussão pelo Judiciário no Brasil. Contudo, a maior parte dos julgados reforçam a autonomia do Juízo Arbitral e garantem seu constante crescimento.
¹ Disponível em: http://selmalemes.adv.br/artigos/Analise-Pesquisa-ArbitragensNseValores-2020.pdf
² STJ. Conflito de Competência nº 159.162-AM. Segunda Seção. Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti. Julgamento em 09/12/2020.
³ STJ. Recurso Especial nº 1894715-MS. Terceira Turma. Relator Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Julgamento em 17/11/2020.