Promulgada no apagar das luzes do ano de 2020, a Lei 12.112/20 fez alterações tão substanciais à Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/05), que passou até a ser chamada por muitos de “Nova Lei de Falências e Recuperação Judicial”.
Dentre muitos dispositivos polêmicos, a Lei 12.112/20 parecia representar um verdadeiro avanço quanto ao tema da recuperação judicial do produtor rural, marcado por grandes reviravoltas e discussões judiciais desde meados de 2015, ano em que essa subscritora apresentou o emblemático pedido de recuperação judicial do produtor rural José Pupin, que ensejou, finalmente, um precedente do Superior Tribunal de Justiça que colocaria fim a duas principais questões envolvendo o tema: (i) a natureza declaratória do registro do produtor rural na junta comercial e (ii) a sujeição ao processo de recuperação judicial dos créditos decorrentes de operações anteriores à inscrição do produtor rural na junta comercial.
E se diz que um grande avanço estaria representado nas alterações ali previstas pois, embora já houvesse a jurisprudência decorrente do recurso especial 1800032/MT, muitos ainda se recusavam a adotar tal posição, sob o único o argumento de que o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça não era dotado de efeito vinculante.
Assim, quando a Lei 12.112/20 entrou em vigor, a redação atualizada da Lei 11.101/05 não deixou dúvidas no sentido de que não só se admite que seja considerada para fim de averiguação do prazo mínimo de dois anos de atividade empresarial fixado no caput do art. 48, além de outros documentos, a escrituração contábil, ainda que realizada na qualidade de pessoa física, (ou seja, a própria Lei já reconhece o período anterior à necessária inscrição na junta comercial como válido para atender ao referido dispositivo legal), como também ficou evidenciado que não há qualquer restrição com relação ao passivo constituído em tal período, ao revés, taxativamente a Lei descreveu quais seriam os créditos excluídos (a partir de agora) de processos dessa natureza e, vale destacar, nenhum dos critérios de exclusão se relacionava com a data da constituição do passivo frente à inscrição ou não do produtor rural na junta comercial.
E é justamente nesse ponto em que se justifica a expressão aqui adotada anteriormente no sentido de que as alterações aparentavam um grande avanço. Aparentavam, pois, em verdade, não foram tão significativas, uma vez que, ao mesmo tempo que a Lei autorizou o procedimento e afastou a insegurança jurídica envolvendo o tema, excluiu uma grande sorte de créditos do procedimento de recuperação judicial do produtor rural.
Os créditos inicialmente excluídos do procedimento, tratavam-se, nada menos do que praticamente todo o financiamento na modalidade de crédito rural fornecido por bancos públicos, privados, sociedades de crédito ou cooperativas nos termos da Lei nº 4.829/65, que tivesse sido objeto de qualquer renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de recuperação judicial, além daqueles relativos às dívidas constituídas nos três últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como as respectivas garantias.
Não fosse suficiente o escancarado protecionismo do Poder Legislativo às instituições financeiras, especialmente os bancos públicos (muito operantes na modalidade de crédito supra mencionada), o Congresso Nacional, recentemente, em 18 de março deste ano, rejeitou o único veto feito pelo Presidente da República que ainda tornava útil e viável a recuperação judicial do produtor rural, desta vez, protegendo as tradings e gigantes do agronegócio, que não só vinham há muitos anos esmagando as margens de lucro do produtor rural, como vinham também faturando mais e mais, ano após ano alcançando recordes de lucratividade, afinal, o risco da atividade rural por elas é transferido integralmente e exclusivamente a um único integrante da cadeia de negócios, qual seja o próprio produtor rural.
A rejeição do veto à alteração do teor do caput do art. 11 da lei da Cédula de Produto Rural (Lei nº 8.929/94) acabou por vetar a sujeição ao pedido de recuperação judicial do produtor rural dos créditos e garantias cedulares vinculados à Cédula de Produto Rural com liquidação física, em caso de antecipação parcial ou integral do preço, ou, ainda, representativa de operação de troca por insumos (“barter”), subsistindo ao credor o direito à restituição de tais bens que se encontrarem em poder do emitente da cédula ou de qualquer terceiro, salvo motivo de caso fortuito ou força maior que comprovadamente impeça o cumprimento parcial ou total da entrega do produto.
Em outras palavras, o Poder Legislativo deu com uma mão o direito ao pedido de recuperação judicial com mínimas condições de segurança jurídica ao produtor rural, enquanto com a outra, excluiu do processo de recuperação judicial do produtor rural praticamente todos os créditos relevantes, ou seja, praticamente esvaziou o benefício legal.