Para melhor entender esta questão é necessário relembrar o contexto em que estavam inseridos a Medida Provisória (MP) 905/2019, a Lei nº 8.213/91, as ADI (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que questionavam a MP 927/2020 e a Portaria Conjunta nº 20/2020.
A MP 905/2019 tratou de diversas alterações na legislação trabalhista e previdenciária. Especial destaque para a revogação do acidente in itinere ou de percurso previsto no art. 21, inciso IV, letra “d”, da Lei nº 8.213/91. Com essa revogação, passou a não ser considerado acidente de trabalho por equiparação o acidente ocorrido no trajeto entre a residência e o local de trabalho e vice-versa.
Porém, não tendo havido acordo para sua conversão em lei, acabou sendo revogada pela MP 955/2020 em 20/04/2020. Com isso, a partir dessa data, os direitos trabalhistas e previdenciários decorrentes do acidente de trajeto voltam a ser exercidos pelo trabalhador, inclusive o direito ao auxílio-doença acidentário e à estabilidade provisória do artigo 118 da Lei nº 8.213/91.
Dentro do tema acidente de trabalho, decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF) pela suspensão da eficácia do artigo 29 da MP 927/2020, que estabelece que os casos de contaminação pelo novo Coronavírus (Sars-CoV-2) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal.
Diante desse quadro é que vem a pergunta: pode uma contaminação por Covid-19 ser enquadrada como acidente in itinere ou de percurso, de acordo com o art. 21, inciso IV, letra “d”, da Lei nº 8.213/91? Pode uma empresa ser responsabilizada por contaminação pela Covid-19, durante a pandemia, no trajeto casa-trabalho-casa?
De acordo com o art. 21, inciso IV, letra “d”, da Lei nº 8.213/91, se equipara a acidente do trabalho o acidente sofrido pelo trabalhador “no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado”.
Há muita discussão sobre o tema e ainda nenhuma jurisprudência a inaugurar o debate dentro do Poder Judiciário. Porém, os riscos de uma responsabilização dessa natureza podem ser minimizados com o cumprimento dos procedimentos estabelecidos na Portaria Conjunta 20/2020, de 18/06/2020, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do Ministério da Saúde.
A Portaria Conjunta 20/2020 traz disposições específicas sobre o transporte de empregados, seja em veículo próprio ou através de prestadoras de serviços. Destacamos a identificação e afastamento de trabalhadores com sintomas suspeitos antes que ocorra seu embarque, a obrigatoriedade da utilização de máscara de proteção, a identificação de grupos e veículos utilizados, o distanciamento seguro entre os transportados, a higienização dos veículos fornecidos e oferecimento de álcool 70%, para ficar nesses exemplos.
Caso o empregado utilize o transporte público, importante evitar o deslocamento em horário de pico, além da intensificação das triagens na chegada e na saída do local de trabalho. Nesse hora, toda diligência por parte da empresa deve ser empenhada.
Não se pode antever o desfecho desta discussão jurídica e seus desdobramentos. Por isso, o estrito cumprimento da Portaria Conjunta 20/2020 e dos protocolos sanitários de estados e municípios pode comprovar, de forma segura, que sua empresa terá tomado todas as medidas possíveis para conter o avanço da contaminação pela Covid-19 não apenas no ambiente de trabalho, mas também no percurso casa-trabalho-casa.
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MAURICIO GASPARINI
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