A Lei de Recuperação Judicial dispõe que os credores de uma mesma classe (credores trabalhistas, com garantia real, quirografários, microempresas e empresas de pequeno porte) devem ser tratados de forma igual, respeitando assim o princípio da igualdade entre os credores, o chamado par conditio creditorum.
A jurisprudência, contudo, vem admitindo a criação de condições diferenciadas para o pagamento de credores tidos como fornecedores, o que não fere o tratamento igual entre os credores, tendo em vista que os credores fornecedores, para assim serem considerados, têm que se obrigar a atuar de forma positiva para a reestruturação da empresa em recuperação judicial.
Os credores fornecedores, também chamados de credores fomentadores ou parceiros, podem vir a receber de forma diferenciada, seja em menor prazo ou ainda com menos deságio que os demais credores, assumindo a obrigação de permanecer com o fornecimento do serviço ou produto considerado relevante pela empresa em recuperação judicial.
Essa obrigação assumida pelo credor fornecedor de fomentar a atividade empresarial, gerando e mantendo empregos e, ao final, a proteção dos interesses dos próprios credores, deve ser considerada como um diferenciador, sendo que, não havendo o cumprimento dessa obrigação de forma integral, a Recuperanda, sob pena de ferir com a exigência de não tratar os credores de forma diferenciada, deve retornar determinado credor à sua classe comum com os direitos que cabem ao credor comum.
Dessa premissa extrai-se que, para se adequar à condição de credor fornecedor, é necessária a parceria com a empresa em recuperação judicial, não somente após a aprovação do plano de recuperação judicial com a manutenção do fornecimento, e sim em todas as fases da recuperação judicial, inclusive quando da votação do plano em assembleia geral de credores.
O credor que deseja assumir a condição diferenciada de credor fornecedor deve ser favorável à aprovação do plano de recuperação judicial, pois o voto contrário significa a intenção do credor de ter a empresa em recuperação judicial falida, tendo em vista que a rejeição do plano de recuperação judicial pela maioria dos credores presentes enseja na convolação da recuperação judicial em falência.
Isso porque a atitude de voto contrário à recuperação judicial é contraditória à intenção de se encaixar na condição de credor fornecedor, sendo que para isso presume-se a parceria tida entre as partes, não se verificando isso quando o credor não crê na viabilidade da empresa em recuperação judicial.
Assim, baseado na impossibilidade de comportamento contraditório do credor (intenção do credor de se valer da condição diferenciada de credor fornecedor x intenção do credor de manutenção da atividade empresária da Recuperanda) que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 2198148-93.2018.8.26.0000, entendeu que não seria possível a classificação de determinado credor como parceiro, uma vez que este votou contrário ao plano de recuperação da empresa em recuperação judicial.
Camila Somadossi Gonçalves da Silva
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Ligia Cardoso Valente
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