A colaboração premiada, também conhecida como delação premiada, é uma forma de “contrato” realizado entre a Justiça e o acusado delator, permitindo que este colabore com as autoridades em troca de benefícios como a redução da pena ou o perdão judicial. Esse mecanismo é amplamente utilizado em investigações complexas, como casos de corrupção, lavagem de dinheiro e organizações criminosas, quando o depoimento do colaborador pode fornecer informações valiosas para elucidar ou prevenir crimes e identificar outros envolvidos, caracterizando assim sua natureza jurídica híbrida.
Para que a colaboração tenha efeitos positivos ao delator, é essencial que dela resultem provas concretas e relevantes. Além disso, sua efetividade depende da homologação do acordo pelo judiciário, que assegura o respeito aos direitos fundamentais do colaborador e a integridade do processo penal.
Paralelamente, o delatado tem legitimidade para questionar a validade do acordo de delação premiada do qual é alvo, podendo acessar a íntegra das gravações das negociações do acordo e da respectiva audiência em que foi homologado. Durante a operação Lava-Jato, essa questão foi amplamente debatida, pois muitos investigados desconheciam o teor das delações até a sua homologação judicial.
Nesse sentido, a 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 14 de maio de 2024, decidiu por unanimidade negar provimento ao Recurso Especial interposto pelo Ministério Público Federal, que pleiteava o impedimento do acesso do delatado Jair Vinícius da Veiga, conhecido como Coronel Veiga, às gravações nas quais teria sido delatado.
Segundo o MPF, a disposição do termo contendo todos os depoimentos e documentos da colaboração premiada em que o Coronel Veiga foi delatado seria suficiente para o exercício do direito de defesa, sendo inviável o acesso às gravações, pois estas seriam sigilosas. O MPF também argumentou que a defesa do delatado não deveria verificar a legalidade, regularidade e voluntariedade das colaborações, mas apenas contestar as declarações e provas apresentadas pelo delator.
No entanto, a Corte Superior afirmou que, conforme recentes decisões do Supremo Tribunal Federal, a delação premiada é considerada uma forma de obtenção de provas, não apenas um acordo jurídico. Isso significa que o conteúdo e o modo que o acordo foi realizado podem afetar significativamente a condição processual de quem foi mencionado pelo delator. Por isso, é essencial que todas as regras legais sejam seguidas estritamente, e qualquer desrespeito pode ser questionado pelo prejudicado, incluindo o delatado.
Para o relator do julgamento, Ministro Rogerio Schietti, a lei que disciplina a colaboração premiada (Lei nº 12.850/2013), ao determinar que o juiz deve “ouvir sigilosamente o colaborador” (delator), não cria uma regra permanente de sigilo.
Essa medida visa proteger o momento específico da investigação, garantindo o sucesso das ações em andamento, que poderiam ser prejudicadas se a pessoa delatada soubesse delas. Contudo, uma vez que a denúncia é feita e aceita, a regra volta a ser a publicidade dos atos, respeitando o direito de defesa e o contraditório.
Além disso, o STJ também entendeu que é necessário mitigar o entendimento da relatividade dos negócios jurídicos, que defende que contratos e acordos só afetam as partes envolvidas. Isso garante que não haja benefícios indevidos ao delator que pretende incriminar terceiros sem provas adequadas, ou quando o colaborador é coagido a delatar e, visando seus próprios benefícios, não questiona a ilegalidade do ato.