As sociedades empresárias, limitadas ou anônimas, são obrigadas a realizar reunião de sócios nos quatro meses seguintes ao término do exercício social para tomar as contas dos administradores e deliberar acerca das demonstrações financeiras, entre outros assuntos, observando as regras de escrituração, elaboração e publicação. Para as sociedades anônimas, regidas pela Lei nº 6.404/76 (Lei das SA), devem ainda observar o artigo 289 da Lei das SA que determina a publicação de todos os atos societários relevantes nos Diários Oficiais do Estado e em jornal de grande circulação de sua sede, exatamente para que se estabeleça a presunção legal de conhecimento dos acionistas e de terceiros desses mesmos atos.
Com a promulgação da Lei nº 11.638/2007 que reformou a Lei das SA, foi estendido a todas as sociedades de grande porte, sejam elas limitadas ou anônimas, as disposições relativas à escrituração e à elaboração de demonstrações financeiras, além da obrigatoriedade de auditoria independente por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários previstas na Lei das SA. Definiu-se também que são consideradas de grande porte a sociedade ou conjunto de sociedades sob controle comum as que possuam, no seu exercício anterior, receita bruta anual superior a R$300.000.000,00 ou ativo total superior R$240.000.000,00.
Com a entrada em vigor da lei supracitada, surgiu a controvérsia sobre a necessidade ou não de publicação das demonstrações financeiras em órgãos da imprensa oficial e em jornal de grande circulação, uma vez que a Lei nº 11.638/2007 apenas legislou sobre a escrituração, elaboração e auditoria das demonstrações financeiras. A orientação inicial do Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC) – atual Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI) – foi no sentido de ser facultativa a publicação por limitadas de grande porte.
No entanto, a Associação Brasileira de Imprensas Oficiais (Abio) ajuizou a demanda contra a União Federal reivindicando que fosse exigido das sociedades limitadas de grande porte, por meio do DNRC, a publicação das demonstrações financeiras, uma vez que se deveriam observar as regras de escrituração, deveriam também seguir as regras para publicação. Em primeira instância, a Abio obteve sentença favorável. No entanto, ainda não houve decisão final sobre o caso, existindo um recurso em tramitação no TRF3.
Na mesma linha do julgado de primeira instância, em março de 2015, a Junta Comercial de São Paulo (JUCESP) editou o Enunciado nº 41, afirmando ser obrigatória a publicação das demonstrações financeiras no Diário Oficial do Estado e em jornal de grande circulação na sede da empresa, para as sociedades empresárias e cooperativas de grande porte. No mesmo Enunciado, declarou ser dispensada a apresentação de publicação para sociedades que requerem o arquivamento da ata de aprovação do balanço anual e das demonstrações financeiras acompanhadas de declaração de que não se trata de sociedade de grande porte, com assinatura do contabilista.
Já o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRT-3) está consolidando o entendimento de que é facultativa a publicação por empresas de grande porte por meio de decisões favoráveis às empresas que são impedidas de registrar suas atas de reunião de sócio sem a publicação. A posição do TRT-3 se baseia principalmente no seguinte:
(i) Ao administrador público não é permitido ampliar os limites da lei, sendo pacífico que normas excepcionais devem ser interpretadas restritivamente. Sendo assim, pode-se entender que, ao criar a obrigação de publicação às sociedades de grande porte (o que não estava expressamente previsto em lei), a JUCESP agiu além dos seus poderes (ferindo o princípio da legalidade).
(ii) O fato da ação da Abio ter sido julgada procedente, em primeira instância, não pode caracterizar o único fundamento para a exigência das publicações das demonstrações financeiras. A sentença de primeira instância não afasta a possibilidade do seu questionamento da matéria discutida por parte de terceiros. Mesmo que houvesse decisão final favorável à Abio, de acordo com o disposto no art. 506 do atual código de processo civil, a coisa julgada só produz efeitos entre as partes do processo, de maneira que, em regra, terceiros não devem ser prejudicados.
(ii) Havia no texto original do projeto de lei (Projeto n.º 3.741/2000 da Câmara dos Deputados) que gerou a redação da Lei nº 11.638/2007, tanto na ementa, como no próprio art. 3º projetado, menção expressa à necessidade de publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades de grande porte. A menção à necessidade de publicação foi, portanto, excluída, indicando a real intenção do legislador.
Sendo assim, existem bons argumentos e boa chance de sucesso caso as sociedades de grande porte, que não sejam sociedades por ações, decidam por não publicar suas demonstrações financeiras e registrar sua aprovação de contas.
No entanto, a JUCESP continua a negar o registro de aprovação de contas de sociedades de grande porte sem a prévia publicação das demonstrações financeiras, sendo necessário impetrar mandado de segurança contra negativa de registro da JUCESP. Infelizmente, a JUCESP registra a aprovação de contas de sociedades de grande porte sem publicação apenas com decisão judicial favorável à sociedade.
Cabe lembrar que não existe sanção pecuniária prevista em lei para o caso de a sociedade optar por não publicar suas demonstrações financeiras e/ou não arquivar as atas de suas assembleias ou reuniões anuais na JUCESP ou por fazê-lo fora dos prazos legal e estatutário. No entanto, deve ser considerada a exoneração de responsabilidade dos administradores após a aprovação das contas e sua obrigação em fazer cumprir a lei e a necessidade de análise das normas de compliance da sociedade em vigor para verificação de eventuais consequências do ato.
Havendo dúvidas quanto a necessidade de publicação ou interesse em discutir judicialmente a obrigação de publicar as demonstrações financeiras, nossa equipe societária está à disposição.
Felipe Cervone
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Andrea Ometto Bittar Tincani
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Ana Júlia Lissoni Cornélio
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Marcela Nicoletti
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