Em 23 de janeiro de 2024, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) ajuizou uma Ação Civil Pública nº 5001408-12.2024.4.03.6100 contra a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que tramita perante a 13ª Vara Cível Federal de São Paulo, argumentando que o ato regulatório referente à prorrogação dos prazos para regularização de rotulagem de alimentos embalados foi elaborado de maneira a favorecer interesses privados em detrimento do interesse público. Segundo a ação, a prorrogação do prazo violaria a proteção à saúde e à alimentação adequada e saudável da interferência com a suposta influência da indústria de produtos ultraprocessados (sobre a qualidade e a composição nutricional dos produtos).
O ato em questão se trata da RDC ANVISA nº 819/2023, de outubro de 2023, que alterou os prazos para a regularização dos rótulos de embalagens de produtos alimentícios com as novas informações nutricionais trazidas pela RDC Anvisa nº 429/2020, e autorizando o esgotamento de embalagens de alimentos que não estivessem em conformidade com a nova norma. Em decorrência disso, foi prorrogado, por mais um ano, a coexistência de produtos com e sem alterações na rotulagem nutricional.
Vale recordar que a RDC ANVISA nº 429/2020, promulgada em outubro de 2022, trouxe novas diretrizes para a rotulagem nutricional de alimentos embalados, como, por exemplo, a inclusão de informações de valor energético, carboidratos, açúcares totais, açúcares adicionados, proteínas, gorduras totais, gorduras saturadas, gorduras trans, fibras alimentares, sódio e quaisquer outros nutrientes, substâncias bioativas ou aditivos alimentares passíveis de alegações nutricionais, funcionais ou de saúde. A norma havia estabelecido prazos específicos para a adaptação dos rótulos conforme a categoria dos produtos: para alimentos em geral, o prazo foi até 09/10/2023; para alimentos de agricultura familiar, solidária, artesanal e microempreendedor, até 09/10/2024; e para bebidas não alcoólicas em embalagens retornáveis, até 09/10/2025.
Durante o processo de regularização, os produtos fabricados e embalados de acordo com a norma de rotulagem anterior (RDC 360/2003 – revogada) haviam sido autorizados a ser comercializados até o término de sua validade, e os produtos fabricados e embalados após o prazo de adequação foram orientados a seguir as novas normas. Além disso, a RDC ANVISA nº 429/2020 havia determinado que, caso uma empresa adquirisse antecipadamente embalagens com rótulos já impressos, estas não poderiam ser utilizadas em produtos embalados após a data de transição estabelecida pela resolução, visando garantir a conformidade com as novas regulamentações da ANVISA.
Diante dessas exigências, as empresas iniciaram uma reestruturação completa, concentrando-se na garantia da rastreabilidade dos produtos e desenvolvendo cronogramas de regularização estruturados para a transição da rotulagem de acordo com os requisitos estabelecidos pela nova norma.
Posteriormente, em outubro de 2023, a ANVISA promulgou a então Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 819/2023, introduzindo alterações normativas em relação ao prazo estabelecido para a adaptação às novas informações nutricionais, autorizando o esgotamento de embalagens de alimentos não conformes com a RDC nº 429/2020.
Diante desse cenário, o IDEC ajuizou Ação Civil Pública contra tal ato, alegando que a revisão normativa em questão se originou de um conflito de interesses, havendo o acolhimento, por parte dos diretores da ANVISA, dos argumentos apresentados por corporações do setor, defendendo a necessidade de escoar embalagens antigas antes da implementação da nova rotulagem. O IDEC acusa que houve prejuízo aos direitos à saúde e à alimentação adequada, entendendo que houve influência indevida da indústria de produtos ultraprocessados nas decisões da ANVISA, especialmente no âmbito das políticas públicas de alimentação e nutrição.
Ainda, o IDEC aponta que a ANVISA editou a RDC de maneira urgente, desconsiderando normas regimentais aplicáveis e carecendo de uma motivação técnica adequada, sem a devida publicidade das informações e sem obedecer aos critérios técnicos e normativos, caracterizando desvio de poder e desrespeitando o interesse público, os princípios constitucionais, os deveres do Estado, e direitos como liberdade, acesso à informação, defesa do consumidor, saúde e alimentação. Tal hipótese poderia ser configurada enquanto abuso de poder regulatório, considerando a ilegitimidade de conceder prazo para esgotamento de embalagens além do período de adequação, evitando favorecimento às empresas específicas.
Nesse contexto, destaca-se a importância das empresas do setor alimentício ficarem atentas às atualizações regulatórias da ANVISA, bem como ao acompanhamento da referida ação civil pública, vez que há pedido de liminar para suspender os efeitos jurídicos da RDC nº 819/2023 ANVISA que permitiu o esgotamento até 09/10/2024 do estoque de embalagens e rótulos adquiridos até 08/10/2023(§ 4º do artigo 50).
Diante dessa perspectiva, as empresas que se beneficiaram temporariamente do esgotamento de embalagens não conformes podem enfrentar desafios consideráveis, incluindo a necessidade de retornar às práticas anteriores de rotulagem, havendo a possibilidade de impacto negativo na gestão de estoques e na logística das empresas. Assim, a adoção de uma postura proativa, alinhada com as normativas vigentes e atenta às possíveis implicações legais futuras, torna-se crucial para mitigar riscos e garantir a conformidade regulatória.