A Lei Complementar n° 157/2016, publicada em 29 de dezembro de 2016, trouxe importantes alterações na forma da tributação municipal sobre serviços. Essa lei complementar modificou alguns artigos da Lei Complementar nº 116/2003, responsável por estabelecer critérios e formas que os municípios deverão respeitar e seguir ao instituir o ISSQN – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – em seu território.
Dentre as principais alterações, a citada Lei inseriu novas atividades ao rol de serviços cujo recolhimento do imposto se dá no município onde estiver localizado o estabelecimento tomador do serviço, ou seja, em linhas práticas, deslocando o local do recolhimento do tributo inicialmente no local do estabelecimento prestador para o município em que estiver situado o estabelecimento tomador.
Basicamente, grande parte das atividades inseridas decorrem de situações que ensejaram debates judiciais e, diga-se de passagem, de dificílima identificação do local da prestação do serviço, como por exemplo: (i) florestamento e reflorestamento, semeadura, adubação, reparação de solo, silagem, colheita e demais serviços vinculados ao agronegócio; (ii) serviços de monitoramento e vigilância de bens; (iii) planos de saúde e planos de saúde veterinários; (iv) operações de meio de pagamento e serviços prestados pelas administradoras de cartão de débito e crédito; (v) leasing.
Outra novidade trazida pela Lei Complementar nº 157/2016 foi a inclusão na Lei Complementar nº 116/2003 do Artigo 8°-A, §1°, §2° e §3°. Esses dispositivos, de forma bastante simples, trazem limitações aos municípios quanto aos benefícios fiscais e outras formas de redução da carga tributária sobre serviços – de competência do Município, por óbvio. Segundo a literalidade dos diplomas normativos, os municípios não poderão reduzir a tributação sobre os serviços além da aplicação da alíquota mínima, que atualmente é de 2%.
Em razão dessa regra, os municípios estão impedidos de alterarem base de cálculo, outorgarem créditos presumidos ou financeiros, concederem regimes especiais e demais mecanismos que reduzam a carga tributária do ISSQN abaixo da alíquota de 2%. Ou seja, se determinado serviço gozar de redução de base de cálculo cuja carga tributária for menor que a aplicação da alíquota de 2% sobre o preço do produto, a norma que autoriza essa redução de base de cálculo estará em desacordo com a Lei Complementar nº 116/2003.
O desrespeito a esse comando – dirigido ao município, à medida que é ele quem tem competência para instituir benefício fiscal, créditos outorgados ou financeiros ou regime especial – gera um duplo efeito, a saber: processo de improbidade administrativa à autoridade que aplicou a diminuição da carga tributária abaixo do limite (2% – alíquota mínima) e responsabilização do tomador do serviço que deverá recolher o ISS para o seu município.
Ou seja, o município que desrespeitar o comando legal sofrerá como sanção a perda arrecadatória, uma vez que a capacidade para a cobrança passará para o município do tomador do serviço, ainda que o serviço não faça parte do rol das exceções da Lei Complementar n° 116/2003.
No que tange a limitação aos benefícios fiscais (e demais mecanismos que reduzem a carga tributária) abaixo da alíquota mínima, vale lembrar que ela não é uma novidade, como vem sendo tratada por diversos veículos de comunicação. Desde 1988, o artigo 88, inciso II, dos Atos das Disposições Transitória Constitucionais (ADCT), já limitava a aplicação de ferramentas que mitigassem a carga tributária abaixo da alíquota mínima (até que a legislação infraconstitucional venha a disciplinar).
Essas normas – tanto a trazida pela Lei Complementar n° 157/2016, quanto a explanada pelo artigo 88, da ADCT – servem como combatentes à guerra fiscal municipal. Ou seja, para que os municípios não utilizem-se do imposto desmedidamente em busca de fomentar a economia local, tais regras limitam a disputa a um mínimo arrecadatório que permite aos municípios mais fracos a sobrevivência sem aniquilar o orçamento público.
A real novidade quanto a esse ponto decorre da vinculação do administrador público, via processo de improbidade, a tal impedimento de mitigação da carga tributária. Isso é uma inovação tecnicamente acertada, uma vez que é a autoridade pública a responsável pela criação de normas que reduzem a tributação.
Portanto, apenas sofrerão danos os municípios que desrespeitarem o comando da Lei Complementar – e os funcionários públicos responsáveis pela edição da norma em desacordo com as regras, ficando o contribuinte livre de sanções.
Conforme já mencionado, o tomador do serviço, nestes casos, será o responsável pelo recolhimento do tributo e o prestador poderá pleitear a restituição em caso de valores pagos na vigência da norma nula – em virtude de desacordo com a Lei Complementar.
Por fim, além das alterações já mencionadas, a Lei Complementar nº 157/2016 acresceu atividades à lista anexa da Lei Complementar nº 116/2003 – Lei do ISSQN. Dentre as atividades inseridas estão: (i) processamento, armazenamento e hospedagem de dados; (ii) elaboração de programas de computadores; (iii) disponibilização de texto, áudio ou vídeo por acesso condicionado – tributação de modelos de negócio tipo “Netflix” -; (iv) aplicação de piercings e tatuagens; (v) florestamento, reflorestamento, semeadura, adubação e demais serviços de colheitas; (vi) serviços de monitoramento; (vii) impressos gráficos – salvo àqueles destinados a comercialização ou industrialização -; (viii) serviços de restauração, recondicionamento, acondicionamento, pintura, beneficiamento, lavagem, secagem e etc; (ix) guincho intramunicipal; (x) serviço de transporte coletivo municipal; (xi) inserção de textos, desenho e outros materiais de propaganda e publicidade em periódicos ou outros meios de comunicação; (xi) translado intramunicipal e cremação de corpos e (xii) cessão de uso de espaço em cemitério.
As alterações trazidas pela Lei Complementar nº 157/2016 geraram e estão gerando uma série de interpretações distorcidas por parte de cada fisco municipal, atingindo desde formatação da base de cálculo, local do recolhimento do tributo e até retenções na fonte. Um exemplo dessa falta de técnica na interpretação das modificações trazidas pela citada Lei Complementar atinge diretamente as operações de meio de pagamento (como por exemplo as empresas fornecedoras de cartão de benefícios, visa-vale, sodexo, entre outras). Essas atividades têm como base de cálculo uma taxa que a operadora retém quando do repasse dos recursos da fonte pagadora para a fonte recebedora.
Outro ponto que tende a trazer muita dificuldade se verifica na correta compreensão do conceito de estabelecimento tomador do serviço, uma vez que tal passa a ganhar importância frente ao deslocamento do recolhimento para o estabelecimento que usufrui do serviço. Nunca na história do ISSQN a definição de estabelecimento fora algo simples. Além disso, as discussões conhecidas versam sempre sobre a definicação de estabelecimento prestador e não sobre estabelecimento tomador.
Um caso claro disso se verifica na contratação de leasing. Atualmente, o ISSQN devido sobre o leasing deve ser recolhido ao estabelecimento tomador. Aparentemente a situação não se mostra de difícil solução. Todavia, se pensarmos no deslocamento da atividade de contratação de leasing para outra filial em outro município ou até mesmo na abertura de uma filial em um município com tributação mais baixa apenas para a contratação deste serviço, como o fisco interpretaria a stiuação? Analisaria o conceito de “estabelecimento tomador do serviço” sob a perspectiva econômica? Além disso, quais obrigações acessórias os municípios irão criar para controlar os serviços que são prestados fora de sua territorialidade, mas o tomador nesse município se encontra? Serão criadas regras para retenção na fonte para estes casos?
O mesmo drama se encontra os serviços de plano de saúde. Inúmeros contribuintes estão perdidos quanto ao local que deverá ser recolhido o ISSQN.
Em decorrência dessa instabilidade e de tantas dúvidas que pairam sobre as determinações feitas pela Lei Complementar nº 157/2016, o Conselho Nacional do Sistema Financeiro – Consif – e a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização – Cnseg propuseram a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.835-DF questionando as alterações promovidas pelo citado diploma legal. Por ser grande a problemática causada pelas alterações trazidas e reconhecendo a dificuldade da aplicação prática, o Relator da ADIN nº 5.835-DF no Supremo Tribunal Federal (STF), Ministro Alexandre de Moraes, determinou a suspensão do artigo 1º, da Lei Complementar nº 157/2016, a qual altera o artigo 3º, inciso XXIII, XXIV e XXV da Lei Complementar nº 116/2003, bem como os parágrafos 3º e 4º do artigo 6º da mesma lei complementar.
Isso significa dizer que, após essa decisão da Medida Cautelar na ADIN supramencionada, para os serviços de plano de saúde, bem como intermediação de arrendamento mercantil e o serviço de arrendamento mercantil deverá ser mantido o recolhimento do tributo no município do prestador do serviço.
Essas são as principais dificuldades que encontramos com as alterações promovidas pela Lei Complementar nº 157/2016, as soluções destes obstáculos se dará ao longo do tempo, por meio de provocação do Fisco em vias administrativas e judiciais e por meio de atos regulamentadores de cada municipalidade.