Em julgamento histórico realizado em 15 de março de 2021, no mês de comemoração ao Dia Internacional da Mulher, o Supremo Tribunal Federal confirmou, de forma unânime, a inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra em benefício de acusados de feminicídio ou agressão contra a mulher.
A tese de legítima defesa da honra consiste na alegação, pelo acusado, de que a violência cometida contra a mulher se deu para rechaçar uma injusta agressão à sua própria honra. O exemplo mais clássico é o agressor que tenta justificar o seu ato em razão de uma possível traição.
A mencionada tese defensiva era utilizada até então com o intuito de que Poder Judiciário reconhecesse que o fato não seria então criminoso e isentaria a responsabilização do autor. A legítima defesa é prevista no art. 25 do Código Penal, segundo o qual a pessoa que repele agressão cometida contra si ou terceiros, ainda que lesionando quem o agride, desde que de forma proporcional a parar a violência que sofre, será absolvido por eventual crime que cometa nessa situação.
Nesse contexto, ainda que inimaginável que a mencionada tese fosse aceita atualmente por juízes e jurados, não eram raras as vezes em que esta era admitida para absolver o acusado.
A decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal confirmou a decisão do Ministro Toffoli, que havia sido proferida liminarmente, proibindo a utilização da legítima defesa da honra para defesa de crimes cometidas contra a mulher, definindo a tese como “estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida” e que estaria, portanto, em total dissonância aos preceitos fundamentais previstos pela Constituição Federal.
O Ministro aponta, ainda, que a própria legislação penal prevê que a emoção ou a paixão não excluem a responsabilização criminal por qualquer delito que venha a ser cometido¹.
A decisão em comento foi proferida no bojo da ADPF 779 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), a qual consiste em uma ação que tem como finalidade o combate a atos desrespeitosos aos chamados preceitos fundamentais da Constituição Federal, e possui o efeito de sanar a alegada lesividade de forma ampla, geral e imediata², ou seja, com aplicação para todo o Poder Judiciário e não só para um caso específico.
A decisão proferida rechaça, de uma vez por todas, a possibilidade do acusado se esquivar da responsabilidade da violência cometida contra a mulher, com fundamento em um argumento moral e legalmente inidôneo, consagrando, definitivamente, a liberdade e proteção à mulher acima de tudo.
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¹ Art. 28, inciso I, do Código Penal.
² ADPF nº 388, Rel. Min.Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe 1º/8/2016.