LIMITES DO SIGILO MÉDICO NA DENÚNCIA DE CRIMES PRATICADOS POR PACIENTES

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu um habeas corpus em 14 de março de 2023 para trancar uma ação penal que apurava um suposto crime de aborto praticado por gestante, ao reconhecer a nulidade das provas produzidas nos autos, em razão da quebra do sigilo profissional entre médico e paciente.

O caso versava sobre uma paciente com aproximadamente 16 semanas de gestação que passou mal e procurou atendimento médico, ocasião em que o médico suspeitou do uso de remédios abortivos e decidiu acionar a Polícia Militar.

O profissional ainda encaminhou o prontuário da paciente à Autoridade Policial e foi arrolado como testemunha, tendo então subsidiado o Ministério Público a propor a ação penal pela hipótese de crime de “Aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento”, descrito no artigo 124 do Código Penal, cuja pena pode chegar até três anos de detenção. A paciente foi pronunciada e seria submetida ao júri.

No entanto, o Ministro Sebastião Reis Júnior, Relator do habeas corpus, reconheceu o constrangimento ilegal, pois além do médico ser tratado como confidente necessário, sob o aspecto de saúde pública, e tal condição estaria sendo descumprida pelo profissional, o STJ assinalou a proibição de prestar depoimento por quem, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiser dar o seu testemunho. Essa é a regra literal do artigo 207 do Código de Processo Penal.

Considerando que a paciente não lhe concedeu autorização, o médico estava legalmente impedido de denunciar e de depor contra ela.

O Ministro Relator também mencionou que a conduta praticada pelo profissional viola o artigo 73 do Código de Ética Médica, que impede o médico de revelar informação que possa expor o paciente a processo penal e determina que, se convocado como testemunha, deverá declarar o seu impedimento. O referido dispositivo inclusive corresponde ao teor do juramento de Hipócrates realizado por todos os médicos.

Por isso, não se pode confundir com o dever legal do médico de comunicar às autoridades um crime de ação penal pública, de que tenha conhecimento no exercício da profissão (art. 66 da Lei de Contravenções Penais). Afinal, nesta Contravenção Penal é claro o dever de comunicar se não expor o paciente a processo criminal, condição justamente oposta no caso apreciado no habeas corpus.

Não menos importante, o artigo 89 do Código de Ética Médica proíbe aos profissionais a liberação de cópias de prontuários sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa, cuja autorização até então não foi comprovada na ação penal.

Dessa forma, as provas contra a paciente foram consideradas ilícitas e o Conselho Regional de Medicina e o Ministério Público local foram acionados pelo Superior Tribunal de Justiça para avaliarem a adoção de medidas administrativas.

Condutas iguais ou semelhantes às do médico citado no caso podem ensejar o oferecimento de denúncia contra o próprio profissional pela hipótese da prática do crime de violação do segredo profissional, previsto no artigo 154 do Código Penal, cuja pena é de detenção, de três meses a um ano, ou multa, desde que haja representação da paciente.

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