Embora muitos não saibam, é possível que uma mesma pessoa tenha – em sua certidão de nascimento – o registro de até dois pais e duas mães. Essa possibilidade surgiu, justamente, em razão das inúmeras mudanças sociais que constantemente obrigam o Direito a evoluir para regular e conceder segurança jurídica às novas dinâmicas da vida em sociedade.
Como exemplo destas inúmeras modificações ocorridas no Direito de Família, o Código Civil de 1916, representando a sociedade da sua época, endossava regras de subordinação da mulher ao homem, a desigualdade de direitos entre os cônjuges e o poder paterno absoluto sobre a família. Essas normas que, na atualidade, são consideradas inaceitáveis, concediam à figura masculina o direito de gerir o lar e tomar decisões unilaterais sobre a vida da esposa e dos filhos.
Sob influência dos movimentos sociais e a partir do novo conceito de famílias em nossa sociedade, essa realidade se alterou e o legislador brasileiro modificou a legislação para instituir, em 2002, um novo Código Civil que reconheceu a igualdade de gênero entre homens e mulheres e trouxe inúmeras inovações legais, entre elas, a multiparentalidade.
A multiparentalidade é a situação em que há o reconhecimento de que uma pessoa tem mais de um pai ou uma mãe. Em outras palavras, para além do vínculo biológico, a legislação brasileira passou a reconhecer que é possível o reconhecimento da parentalidade com base nos vínculos afetivos e sociais.
Um exemplo é a madrasta que, ao estabelecer relação maternal e profundamente afetiva com o enteado, passa a ser reconhecida, juridicamente, como sua mãe – sem a exclusão da biológica. Ou seja: esta pessoa passaria a ter duas mães em seu registro civil.
Contudo, para que a multiparentalidade seja reconhecida é preciso que os pais biológicos concordem ou, se maior de doze anos, que o próprio filho consinta. Além disso, é fundamental que a relação socioafetiva seja devidamente comprovada por fotos, vídeos ou quaisquer outros elementos que evidenciem a relação duradoura que vá além do mero sentimento afetuoso.
Uma vez reconhecida a multiplicidade parental, será formalizado um outro vínculo de filiação. Na prática, isso significa que, no exemplo citado, o nome da madrasta será incluído na certidão de nascimento do enteado, podendo, inclusive, haver a inclusão do seu sobrenome no do filho.
E, justamente porque a mãe biológica não será destituída ou excluída, é possível afirmar que a multiparentalidade busca o reconhecimento legal de uma relação já existente, com a intenção de conferir direitos e deveres aos pais e aos filhos socioafetivos, sem discussões a respeito da parentalidade já existente.
Entre esses deveres estão, por exemplo, o de alimentar e de estar presente. Além disso, os direitos relacionados à sucessão – como o de herança – deverão ser observados entre todos os pais e filhos, biológicos e socioafetivos.
Segundo dados do IBGE, embora sejam as únicas responsáveis por quase metade dos lares brasileiros, muitas vezes as mulheres enfrentam situações de extrema vulnerabilidade emocional por não possuírem o reconhecimento e o amparo legal em relação aos seus filhos biológicos e socioafetivos.
Portanto, não apenas em razão do mês das mães, mas em todos os dias, é justo e coerente que as mais diferentes formas de maternidade sejam asseguradas pelo Direito e celebradas pela sociedade.
Independentemente se são mães biológicas, adotivas, “de sangue”, “de consideração” ou de “de criação”, todas merecem, além do reconhecimento pelo fundamental papel que assumem, a proteção jurídica para exercerem as suas funções com garantias legais e tranquilidade.