Como se sabe, normalmente, um bem imóvel pode ser doado, desde que o ato de doação seja realizado por escritura pública e conste nos registros da propriedade. Em situações como esta, contudo, é possível que o doador estipule algumas regras limitadoras ao donatário, no que se refere à disponibilidade do bem imóvel, por meio de cláusulas de inalienabilidade[1] e impenhorabilidade[2], visando, muitas vezes, impedir a dilapidação do patrimônio doado. Na presença de cláusulas desta natureza, e havendo intenção pelo donatário[3] de dispor do bem, faz-se necessário buscar a autorização judicial. Exatamente em razão da natureza da cláusula protetiva do patrimônio, comumente, o pedido é negado pelo Poder Judiciário.
No entanto, recentemente, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 2.022.860, cancelou as cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade de um imóvel doado há cerca de 20 anos. Segundo os julgadores, com o tempo, o bem passou a causar problemas aos donatários.
A ação apreciada pelo STJ foi ajuizada por um casal de idosos que pretendia o cancelamento das mencionadas cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade existentes sobre um imóvel rural que receberam por meio de doação. Segundo afirmaram os donatários, em virtude de suas idades avançadas, dos frequentes roubos de gado na propriedade e os prejuízos econômicos daí decorrentes, teriam perdido a capacidade de administrar o bem.
Todavia, mesmo com tais alegações, a primeira e a segunda instâncias do Tribunal de Justiça de Minas Gerais negaram o pedido dos donatários, sustentando a inexistência de condições excepcionais que autorizariam o cancelamento das cláusulas em questão. Já o STJ, na contramão do decidido pelas instâncias inferiores, reconheceu a presença de situações autorizadoras do levantamento dos gravames.
Em síntese, após analisar o contexto exposto pelos donatários, o Superior Tribunal de Justiça identificou existir justa causa para cancelar as cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade existentes sobre o bem imóvel recebido por doação, considerando, ademais, a necessária observação dos dispositivos legais de proteção à pessoa idosa e a concordância, dos herdeiros dos donatários, com a venda do imóvel.
Por essa razão, os Ministros compreenderam que a situação preencheu os requisitos autorizadores exigidos pela jurisprudência do próprio STJ, quais sejam: a morte dos doadores, a inexistência do risco de dilapidação do patrimônio e o atendimento ao interesse dos donatários, sobre os quais recaíram, à época, a proteção estabelecida pelas cláusulas restritivas impostas pelos doadores.
O STJ ponderou também que os donatários já possuem longa idade e que, após os seus falecimentos, seus herdeiros poderiam alienar o bem, o que, por si só, excluiria os gravames, afastando a eficácia das cláusulas.
Portanto, o cancelamento da inalienabilidade e impenhorabilidade do bem doado, segundo o STJ, é plausível em situações excepcionais. Nesse sentido, decidiu-se que, em não havendo risco de prejuízo ao patrimônio, deve ser garantido o interesse e bem estar dos donatários, visando-lhes garantir uma vida digna.
[1] Cláusula que impede a transferência da propriedade do donatário para uma outra pessoa.
[2] Cláusula que impede a utilização do bem para a quitação de débitos do donatário.
[3] Donatário é aquele que recebe o bem doado.