Antes da instalação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o surgimento do Recurso Especial[1], o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio do Recurso Extraordinário, concentrava a competência de guardião, não apenas da Constituição, mas de toda a legislação federal.
Em 1988, em razão da enorme quantidade de recursos que chegavam até a Suprema Corte, o constituinte repartiu a competência entre os mencionados recursos, transferindo ao STJ a função de tutelar a autoridade e a unidade das leis federais.
No seu primeiro ano de existência, o STJ recebeu 6.103 processos. Algum tempo depois, em 2007, o número de processos novos foi de 313.000 – apenas naquele ano. Em 25 anos, o Superior Tribunal de Justiça julgou 4.386.299 processos[2].
Estes números já revelavam, nos moldes do que ocorreu no STF em 2004 – com a criação da repercussão geral para os recursos extraordinários –, que o STJ precisaria de um filtro de relevância para os recursos especiais. Não por outra razão, após 10 anos de tramitação, o Congresso Nacional promulgou a Emenda Constitucional n.º 125 de 2022, que acrescentou os parágrafos 2º e 3º ao artigo 105, da Constituição Federal, estabelecendo um filtro para a admissibilidade de recursos especiais baseado na relevância das questões de direito federal infraconstitucional.
Embora ainda exista debate a respeito da necessidade ou não de regulamentação (por meio de lei federal) do filtro instituído pela citada Emenda Constitucional, é certo que, desde já, o assunto provoca polêmica. Afinal, estaria se reduzindo o acesso da população à Justiça?
Para grande parte dos advogados processualistas, dos pesquisadores do tema, magistrados e políticos – otimistas com a mudança – o filtro de relevância, na verdade, aproxima o STJ e o recurso especial da sua origem histórica de controle da legalidade dos julgados proferidos nas instâncias inferiores. Nesse sentido, a Corte teria a sua existência fundada na necessidade de correção dos erros judiciários em relação ao próprio direito (afastando o surgimento de um antecedente inadequado) e não a respeito dos fatos, que, em tese, não transcendem seus efeitos para além dos envolvidos naquela causa.
Significa dizer que, em verdade, no Brasil, nunca foi prevista a existência de uma “terceira instância”, e, por isso, o STJ – antes da Emenda Constitucional n.º 125/22 – estaria distante da sua missão constitucional ao atuar como revisor ordinário das decisões judiciais.
Por isso, para os entusiastas da nova legislação, o filtro de relevância dos recursos especiais trabalhará para o aperfeiçoamento da jurisdição, pois, por um lado, poderá reduzir o tempo de tramitação dos processos (limitados, em regra, aos juízes de primeiro grau e aos Tribunais dos Estados) e, por outro, permitirá que a Corte Superior se dedique às questões complexas de grande interesse jurídico e social, assegurando mais estabilidade, previsibilidade e confiabilidade a todo o sistema Judiciário brasileiro.
O que se pode afirmar, com certeza, é que o STJ está se movimentando para, de fato, exigir que os novos recursos especiais, nos moldes da EC n.º 125/22, demonstrem relevância para que possam ser julgados na Corte Superior. Os efeitos sociais e econômicos da medida poderão ser verificados nos próximos anos, quando se poderá mensurar com maior exatidão – pela comparação dos números e a análise da celeridade e da qualidade dos julgados – o impacto da alteração legislativa na realidade cotidiana dos brasileiros.
ANA LÍGIA ALVES FERREIRA FANTINATO
analigia.fantinato@fius.com.br
[1] O Recurso Especial e o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) foram instituídos pela Constituição Federal de 1988 e o referido Tribunal passou a funcionar em 1989.
[2] Disponível em https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Institucional/Historia/Nasce-o-Recurso-Especial. Acesso em: 04/10/2022.