A chamada Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/19), fruto da conversão da Medida Provisória nº 881/2019, trouxe relevantes alterações no instituto da desconsideração da personalidade jurídica, incidente processual que possibilita a inclusão dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica no polo passivo da execução, a fim de que sejam responsabilizados com seus patrimônios particulares pelas dívidas da empresa em caso de insolvência.
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica encontra previsão no caput e no parágrafo 5º, do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, combinados com o artigo 50 do Código Civil e 135 do Código Tributário Nacional, subsidiariamente aplicados ao processo do trabalho por força dos artigos 8º e 769 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Esse incidente processual é aplicado principalmente na Justiça do Trabalho com o objetivo de coibir a prática de manobras fraudulentas pelos devedores e, desse modo, resguardar o adimplemento dos créditos trabalhistas, considerados pela lei como verbas de natureza alimentar.
Por outro lado, a nova legislação trouxe, em seu artigo 7º, os conceitos de “abuso de personalidade”, “desvio de finalidade” e “confusão patrimonial”, alterando dispositivos do Código Civil, a exemplo do parágrafo 4º do artigo 50 do referido Diploma Legal, que, com a nova redação, passou a estabelecer expressamente que a mera existência de grupo econômico não autoriza, de forma isolada, a desconsideração da personalidade jurídica.
Vale dizer que, muito embora a existência de um grupo econômico possa gerar a presunção de “confusão patrimonial”, sua mera constatação não mais autoriza a adoção da desconsideração da personalidade jurídica, conforme outrora refletia o entendimento predominante nos tribunais pátrios.
Cabe destacar que, antes da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17), a Justiça do Trabalho, de forma majoritária, aplicava a desconsideração da personalidade jurídica de forma objetiva (Teoria Menor), com base no artigo 28, § 5º do Código de Defesa do Consumidor. Porém, esse entendimento vem sendo paulatinamente modificado para se ajustar à nova realidade, que consiste em instauração do incidente, com regular produção de provas.
Diante das alterações e inovações implementadas pela Lei 13.874/19 e considerando a objetividade das definições nela elencadas, a tendência é que se reduzam as interpretações ampliativas e equivocadas na aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Isso porque as hipóteses elencadas no artigo 50 do Código Civil, alterado pela Lei 13.874/19, tornaram-se mais restritas e objetivas, exigindo maior cautela do Judiciário na análise dos pleitos de redirecionamento de execução, o que, indubitavelmente, minimizará a incidência de execuções indevidas contra terceiros.
Não se pode olvidar que, apesar da nova legislação impor ao Judiciário maior rigor na análise de questões relativas ao redirecionamento de execuções, a Justiça do Trabalho possui à disposição ferramentas eletrônicas, como o Cadastro de Clientes do Sistema Financeiro Nacional (Convênio BACEN-CCS), que podem denunciar operações financeiras suspeitas e, via de consequência, justificar a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica.
Por fim, vale a ponderação de que a nova sistemática trazida pela recente legislação não representa o total desamparo dos credores, nem tampouco servirá de trampolim aos devedores mal-intencionados.
Afinal, a Justiça do Trabalho poderá se valer da disposição contida no parágrafo 1º do artigo 818 da CLT para determinar a inversão do ônus da prova no incidente da desconsideração da personalidade jurídica quando a prova do abuso de personalidade do desvio de finalidade e da confusão patrimonial forem excessivamente difíceis para o credor.