O dano existencial é uma das hipóteses de dano extrapatrimonial trazidas pela Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17). Sua configuração se dá a partir da conduta ilícita praticada pelo empregador, que impossibilita ou dificulta o empregado de manter suas atividades cotidianas, se relacionar ou conviver em sociedade, de praticar atividades esportivas, culturais ou de descanso e até mesmo de se dedicar a um projeto de vida para sua realização pessoal.
Assim, podemos compreender que nas relações de trabalho o dano existencial se limita basicamente a duas hipóteses: projeto de vida e vida de relação. Enquanto o projeto de vida tem relação a metas e objetivos pessoais do empregado, a vida de relação se traduz nas relações pessoais que o empregado mantém em sociedade.
No caso dos motoristas de transportes de cargas, que é o nosso foco de análise, podemos compreender que o dano existencial até pode ocorrer em razão da extensa jornada de viagens, provocando prejuízos à relação social e ao projeto de vida do trabalhador, o impedindo de manter convívio familiar e social.
Contudo, de acordo com as diretrizes do C. Tribunal Superior do Trabalho (TST), a indenização por dano existencial somente é devida com a efetiva demonstração dos prejuízos sofridos pelo empregado em decorrência da privação de sua vida pessoal e ruína de seu projeto de vida.
Assim, embora a possibilidade de dano exista de forma abstrata sobre os empregados que realizam jornadas diárias extensas de labor, é necessário que o dano efetivo seja comprovado caso a caso, não podendo ser presumido pelo fato de o motorista realizar extensos horários de trabalho.
Recentes decisões têm demonstrado que não é admissível condenar a empresa ao pagamento de indenização por dano existencial somente por conta do excesso de jornada, sem qualquer prova de prejuízo.
Isso porque tal condenação iria pressupor que o projeto de vida do empregado foi efetivamente suprimido apenas em decorrência do trabalho e do tempo que este lhe toma, sendo que, na verdade, o trabalhador pode estar sujeito a vários outros fatores que comprometam suas relações sociais ou seu projeto de vida.
Portanto, para o Tribunal Superior, somente pode-se reconhecer o direito ao dano existencial quando houver prova robusta de que as condições de trabalho efetivamente prejudicaram a vida pessoal do trabalhador e seu convívio em sociedade, trazendo abalos à sua personalidade, eis que o dano não pode ser presumido.
Outro argumento para afastar a indenização nesse caso é o fato de que, na hipótese de excessiva sobrejornada, possivelmente já estaremos diante do pagamento de horas extras e verbas correlatas. Nesse sentido, a empresa sofreria inadmissível condenação dobrada pelo mesmo fato (proibição de bis in idem).
Dessa forma, podemos compreender que as recentes decisões proferidas pelo C. TST têm caminhado no sentido de que é inviável presumir que a submissão habitual do empregado à jornada excessiva, por si só, poderia caracterizar o dano existencial, sendo necessário analisar mais a fundo se tal jornada realmente foi, por si só, capaz de romper as relações sociais do empregado ou de que seu projeto de vida tenha sido suprimido de seu horizonte.
Portanto, seguimos acompanhando e contribuindo de forma efetiva na construção da jurisprudência, desde o primeiro grau até a instância máxima, buscando impedir que haja a ocorrência da simplificação excessiva do conceito do dano existencial, evitando que esse seja compreendido como mera decorrência da prestação de sobrejornada.
MARIA GABRIELA DE CARVALHO FALSETE
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