VALIDADE DE REGRAS PARA CESSÃO E TRANSFERÊNCIA DE QUOTAS DE SÓCIO FALECIDO

O Departamento Nacional de Registro e Integração (DREI), em recente decisão, entendeu como possível a cessão da quota do sócio falecido sem a necessidade de apresentação de alvará ou partilha, desde que a obrigação de cessão e transferência da quota social esteja acordada entre os sócios antes do evento morte.

No caso em pauta, o DREI negou provimento ao recurso da Procuradoria da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro, que buscava o desarquivamento de alteração de contrato social que, por expressa previsão contratual, contemplou a cessão e transferência de quotas de sócio falecido à sócia remanescente, cujo arquivamento foi deferido pela Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro (JUCERJA) em sessão plenária.

O contrato social da sociedade em questão previa expressamente que a sociedade não se dissolveria com a morte de qualquer dos sócios, seguindo suas atividades com o sócio remanescente, que adquiriria as quotas do sócio falecido pelo seu valor contábil verificado no último balanço da sociedade. A cláusula não é clara, no entanto, quanto ao destinatário do montante pago pelo sócio remanescente em virtude da aquisição das quotas.

Com o falecimento de um dos sócios, foi protocolado na JUCERJA o pedido de arquivamento da 2ª alteração de contrato social (2ª ACS), datada de 8/7/2021. O pedido sofreu exigência para apresentação de alvará judicial, ou formal de partilha ou escritura extrajudicial de inventário e partilha, além de exigir-se a assinatura dos herdeiros.

A sociedade recorreu ao plenário da JUCERJA, sendo o seu principal argumento a faculdade trazida pelo artigo 1028, I do Código Civil Brasileiro, por meio do qual se estabelece que a quota do sócio falecido será liquidada, salvo disposição diversa no contrato social.

Durante a tramitação do recurso, a procuradoria da JUCERJA alegou que, por não se tratar de liquidação das quotas, mas de alienação, deveriam ser apresentados os documentos mencionados na exigência. O vogal relator, na primeira sessão plenária, ocorrida em 11/11/2021, acompanhou o entendimento da procuradoria da JUCERJA.

Foi agendada uma nova sessão plenária para 23/11/2021, considerando o pedido de diligência do processo formulado pela procuradoria da JUCERJA. Nessa oportunidade, houve sustentação oral dos interessados e o vogal relator alterou o seu posicionamento, passando a ser favorável ao arquivamento da 2ª ACS. Em síntese, o vogal relator entendeu que foram atendidas as exigências legais, do ponto de vista contratual, sendo certo que a sociedade, em ato anterior, optou em seu contrato social por criar tratamento específico para a prática do ato.

O plenário de vogais da JUCERJA, por maioria, acompanhou o voto do vogal relator, dando provimento ao recurso interposto pela sociedade, culminando no deferimento do arquivamento da 2ª ACS, o que ocorreu em 13/12/2021 (no entanto, até o momento, o cartão CNPJ da sociedade permanece desatualizado). Na sequência, a procuradoria da JUCERJA recorreu ao DREI, buscando o desarquivamento da 2ª ACS.

Na decisão do recurso, privilegiando a lei 13.874/19, a Lei da Liberdade Econômica, e o prevalecimento da vontade das partes nos negócios empresariais, o DREI acatou a argumentação apresentada pela sociedade, entendendo como possível a cessão da quota do sócio falecido sem a necessidade de apresentação de alvará ou partilha, uma vez que a obrigação de cessão e transferência da quota social fora acordada entre os sócios antes do evento morte no contrato social, em linha com o disposto no art. 1028, I do Código Civil Brasileiro.

Ademais, o DREI reforçou que às juntas comerciais cabe o exame formal dos atos apresentados para arquivamento, conforme previsto no artigo 40 da lei 8934/1994, que dispõe sobre o registro público de empresas mercantis.  Nesse ponto, a decisão deixa claro que eventual discussão acerca da redação anteriormente acordada entre os sócios, quando vivos, e que deu causa à cessão e transferência das quotas do sócio falecido, deverá ser conduzida no judiciário pela parte interessada para análise material. Até o término da elaboração deste artigo, não havia qualquer mobilização no TJRJ a respeito do tema.

Importante destacar que, no caso em tela, o sócio falecido possuía uma única quota, no valor nominal de R$ 1,00, sendo pequenos os impactos econômicos e fiscais (por exemplo, a incidência de ITCMD) da cessão e transferência nos moldes aqui demonstrados.

A decisão do DREI representa um importante precedente para fins de planejamento societário e sucessório. Entretanto, deve ser utilizada com cautela, inclusive pela ausência de casos precedentes similares.

 

 

 

 

FELIPE LOPES DE FARIA CERVONE

felipe.cervone@fius.com.br

 

ANDREA OMETTO BITTAR TINCANI

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CAMILA DE GODOY FERREIRA

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GEOVANA MARTINAZZO

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